Atento à abertura indiscriminada de escolas médicas no País e ao resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que tratou do tema, o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran Gallo, alertou, durante a abertura do XIV Fórum da Comissão de Ensino Médico do CFM nesta sexta-feira (14), sobre a quantidade elevada de pedidos de autorização de novos cursos de medicina no país que tramitam no Ministério da Educação (MEC). O encontro foi organizado pela Comissão de Ensino Médico do CFM e está disponível na plataforma do CFM no YouTube. Acesse AQUI.
De acordo com ele, numa consulta ao MEC, identificou-se que, atualmente, há 292 processos de cursos de medicina em andamento na Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior, divididos em dois grupos: tramitação administrativa e por força judicial. Segundo Gallo, caso essas solicitações sejam aceitas, o Brasil, que tem hoje 390 escolas médicas em funcionamento, passará a contar com 682. “Um número tão absurdo que será praticamente o dobro do total de escolas existentes na Índia, uma nação com sete vezes mais habitantes do que o Brasil”, afirmou, com os dados do levantamento que o CFM fez.
Critérios – No começo deste mês, o STF decidiu que novos cursos de medicina só serão abertos em municípios que ofereçam os critérios estabelecidos pela Lei do Mais Médicos, que em sua última formatação reconheceu parte dos critérios defendidos como ideais pelo CFM e pelas entidades médicas, como quantidade de leitos de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) suficiente para o campo de prática e existência de hospital de ensino.
Contudo, de acordo com o presidente do CFM, os ministros da Corte deixaram uma janela aberta ao autorizar que processos que tinham sido iniciados administrativamente antes dessa decisão pudessem ter seguimento em sua análise. “Essa medida terá consequências imprevisíveis para o já fragilizado ensino médico brasileiro. Numa análise preliminar feita pelo CFM, percebe-se o delineamento do caos”, disse.
O levantamento mostra que há distorções graves relacionadas aos 292 pedidos, que pedem a abertura de escolas médicas em 182 municípios brasileiros. Dentre eles, 129 municípios já contam com pelo menos um curso de medicina autorizado e em funcionamento. Cerca de 25% dessas solicitações de abertura se referem a municípios com, no máximo, 100 mil habitantes e outros 50% em cidades que ficam na faixa de 100 mil a 500 mil moradores.
Problemas – Do total de municípios, 73% apresentam déficit em parâmetros considerados essenciais ao CFM para o funcionamento desses cursos, ou seja, não têm leitos de internação do SUS em número suficiente; contam com poucas equipes da Estratégia Saúde da Família ou não possuem hospitais de ensino. “Qual a necessidade de novas escolas médicas em locais onde já oferta desse tipo de ensino? Todos sabemos que municípios de menor porte têm infraestruturas de saúde deficitárias”, indagou o presidente do CFM.
Na sua avaliação, o cenário atual compromete a eficácia e segurança dos atendimentos oferecidos à população e os graus de confiança e credibilidade dos brasileiros na medicina e em seus profissionais. “Esses dois contextos estão sob ameaça, com a decisão equivocada dos gestores de promoverem uma verdadeira farra no processo de abertura de escolas médicas no Brasil nos últimos anos”, observou José Hiran Gallo.
Apenas em 2023, cerca de 44 mil novos médicos adentraram o mercado de trabalho. Desse total, pouco menos de 70% veio de faculdades privadas, com mensalidades que ficam, em média, em torno de R$ 8 mil.
“Lembrem-se: a medicina é ciência e arte que se aprende nas discussões teóricas, mas, sobretudo, no exercício da prática, no contato com os pacientes, à beira do leito. Se os novos alunos são privados dessas experiências definitivas, nos perguntamos como se comportarão no cotidiano impiedoso dos hospitais e prontos-socorros? Como fazer com que os candidatos a futuros médicos deixem a universidade com o conhecimento, as atitudes e as habilidades de um profissional em condições de oferecer um diagnóstico e prescrever um tratamento com qualidade e segurança?”, questionou o presidente do CFM.
Mesa de abertura – Para os conselheiros Júlio Braga (coordenador da Comissão de Ensino Médico) e Donizetti Giamberardino (coordenador do Sistema de Acreditação de Escolas Médicas – SAEME/CF), que também discursaram na mesa de abertura do fórum, o governo errou o cálculo em seu argumento principal de que a abertura de escolas médicas contribuirá para ampliar o número de profissionais nos vazios assistenciais.
A avaliação do CFM é de que essas escolas serão apenas uma passagem para esses profissionais que, após a graduação, marcharão aos grandes centros em busca de melhores condições de trabalho, perspectivas de crescimento e qualidade de vida. Com isso, a desigualdade na distribuição de médicos pelo País continuará a aumentar, com uma grande concentração no Sul e Sudeste.
O CFM entende ainda que qualificação do ensino médico se trata de área de relevância pública e que as faculdades de medicina poderiam ser avaliadas, verificadas em sua proposta pedagógica, conforme modelo já em execução no SAEME, que conta com o reconhecimento de grandes instituições internacionais pela sua isenção e metodologia.