Escrito por José Alves Pereira*
A Medicina, como profissão, dada sua relevância perante a sociedade, por muito tempo pode ser considerada autossustentável. Essa afirmação baseia-se no status mantido pelos profissionais da Medicina ao longo dos tempos e que hoje é passado. A importância social desses profissionais permanece, já que lhes cabe o papel de prevenir, curar doenças e salvar vidas, embora o reconhecimento e a tolerância para com o médico sejam realmente constatações do passado.
Parece óbvia essa constatação, diante da mídia noticiando, denunciando e, por consequência, condenando os possíveis erros médicos. Condenando porque uma vez divulgado seu nome sob suspeita, naturalmente sua imagem encontra-se comprometida junto aos seus clientes e à sociedade em geral, independente da possível culpa a ser constatada. Dessa forma, o exercício da Medicina, embora revestido de particularidades próprias, vem sendo submetido a questionamento comuns a outras profissões.
Necessária e urgente se torna uma reflexão da classe médica e condutas coletivas em busca de uma “profissionalização”, do ponto de vista das relações de trabalho, compatível com a atual realidade. A flagrante depreciação da profissão requer conduta consciente, sob pena do fim da sustentabilidade da profissão, levando-a ao descrédito perante a sociedade, o que seria uma verdadeira heresia, pois são os profissionais a quem os cidadãos recorrem nos piores momentos.
Mudanças de posturas são imprescindíveis para a preservação da Medicina. O médico não recebe, ao longo de sua formação acadêmica, nenhuma informação sobre o mercado de trabalho que o espera. Ao lançar-se a esse mercado, passa a definir suas condutas diante das dificuldades, o que pode representar um dos principais responsáveis pelas crescentes “baixas” da classe.
Inúmeros são os fatores que interferem diretamente na qualidade da assistência médica atual, passando por uma socialização fora da realidade, escassez de investimentos, gestão ineficiente de recursos e uma série de situações que não surpreenderiam ao ser apontadas.
No artigo “O país das escolas médicas”, o professor e ex-presidente da Associação Médica Brasileira, doutor Antonio Celso Nunes Nassif, cita Darcy Ribeiro: “O Brasil é o único país do mundo que permite ao sujeito criar uma escola, como uma padaria ou um açougue, para ganhar dinheiro”. Nassif discorre sobre o comportamento político com o qual o assunto foi tratado desde a década de 60, quando se considerava apenas o custo da mão de obra, em detrimento da qualidade dos serviços, e os possíveis dividendos políticos, trazendo como consequência a criação das mais de 175 escolas médicas brasileiras, o que nos coloca na liderança mundial em número de escolas médicas. São mais de 17,3 mil vagas anuais oferecidas e não há a menor possibilidade de se manter uma qualidade profissional minimamente aceitável diante de tantos recém-formados que estarão no mercado de trabalho sem que ao menos consiga uma pós-graduação em nível de residência médica, pois não há vagas para todos. Óbvias são as motivações políticas.
Pode-se afirmar que se abre um curso de Medicina sem que haja um corpo docente formado por médicos. E, ao verificar a remuneração, nem sempre é compatível com o papel de docente. Embora possa parecer utopia, uma conduta verdadeiramente consciente da classe médica inviabilizaria essa equivocada política de ensino, bastando para isso que, em nome da preservação da qualidade profissional, ninguém aceitasse prestar serviços a qualquer iniciativa empresarial mercantil que se propõe a explorar o ensino médico sem um comprometimento compatível com a importância da atividade.
Vale lembrarmos que a sensibilidade e o conhecimento atualizado são fundamentais para que se evite uma temível inversão de valores. Constata-se a utilização cada vez mais ampla dos recursos tecnológicos, muitas vezes em detrimento da técnica, o que resulta na efetiva inversão de valores. Esses recursos, quando necessários e racionalmente empregados, se revestem de grande utilidade. Porém, a utilização indiscriminada contribui, de maneira decisiva, com o encarecimento da assistência médica e deprecia cada vez mais o verdadeiro ato médico, comprometendo o futuro da Medicina como profissão.
* É cirurgião geral.
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