Escrito por Marco Aurélio Smith Filgueiras.*
O Brasil é o 4º maior consumidor de remédios do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos da América (EUA), França e Alemanha. A indústria farmacêutica faturou 10 bilhões de reais no País em 1996, o dobro da indústria de eletroeletrônicos (O Brasil se entope de remédios – Veja 11/06/97).
O brasileiro é hoje um dos povos que mais praticam a automedicação. Liberar a venda de medicamentos, colocando-os em Supermercados, como aliás já fazem nos EUA (o grifo é nosso), medida pretendida pelo Ministério da Saúde seria incentivar ainda mais essa pratica (Remédios em Supermercados-Jornal do Conselho Federal de Medicina, set.97).
A indústria farmacêutica brasileira fatura anualmente cerca de US$ 150 milhões com a venda de cápsulas, comprimidos efervescentes, pastilhas e até vitamina em pó (Em busca do equilíbrio – Istoé, 20/06/2001).
Há uma drogaria para cada 3 mil habitantes, mais do que o dobro do recomendado pela OMS. Há mais pontos de vendas de remédios no Brasil do que de pão – 54 mil farmácias contra 50 mil padarias (Viciados em remédios – Superinteressante, fevereiro 2003).
O consumo irresponsável de medicamentos é um clássico jeito de ser brasileiro. À primeira pontada de dor de cabeça, haverá sempre uma mão amiga a oferecer drágeas…, A banalização do uso de antiinflamatórios, analgésicos, xaropes, vitaminas e uma vasta gama do lixo terapêutico nunca foi acompanhada de melhorias nos indicadores de saúde (Prisioneiros das pílulas – Época, 08/12/2003.
O Brasil é campeão mundial de intoxicação por remédios. Segundo os últimos dados de 2002 do Sistema Nacional de Informações Tóxico-farmacologicas (SINITOX), os medicamentos ocupam o 1º lugar entre os agentes causadores de intoxicações em seres humanos e o 2º lugar nos registros de mortes pelo mesmo motivo.
Na lista do SINITOX, entre os medicamentos que mais causam intoxicações, aparecem ao antigripais, analgésicos, benzodiazepinicos, antidepressivos tipo fluoxetina, antinflamatórios como AAS, aspirina, diclofenaco sódico, antiepilépticos e antibióticos (amoxicilina). Nós médicos sem duvida alguma, temos uma parcela importante de responsabilidade, pois, estamos medicando demais nossos pacientes, e os idosos e os recém-nascidos segundo o SINITOX, são os mais atingidos. São as vitimas potenciais da múltipla prescrição.
Se estamos esquecendo os efeitos adversos dos fármacos, estamos também negligenciando a interação medicamentosa. A grande quantidade de remédios para o tratamento de diversos tipos de males tem contribuído para ampliar a quantidade de interações medicamentosas. Este processo ocorre quando há influencia recíproca de um remédio sobre o outro. Quando um deles é administrado sozinho, produz o efeito quase sempre esperado, mas quando é receitado junto com outras drogas, ervas ou até mesmo alimentos, pode não ter o resultado que se deseja e advir daí muitos efeitos adversos tóxicos podendo até ser fatais (www.boasaude.com).
Como disse a pouco, o idoso é uma das parcelas da população mais atingida, porque na grande maioria das vezes, têm queixas variadas, muitos sintomas e acabam consultando inúmeros especialistas. É muito comum ver-se nos dias de hoje, gerontes tomando 10, 15 ou até 20 diferentes drogas. Estamos chegando ao cumulo de no meio dessa polifarmacoterapia, tratar efeitos adversos de medicamentos, prescrevendo outro(s), pelo fato de simplesmente desconhecermos esses efeitos. Existe uma infinidade de exemplos, vamos citar alguns dentro da nossa área de atuação. A cinarizina e flunarizina, são dois dos bloqueadores de canais de cálcio, usados em larga escala em pessoas na faixa etária dos 60 e 70 anos, para tratar “tonturas” e a “famigerada labirintite” (melhor seria empregar a expressão vertigem, pois labirintite é uma raro distúrbio que ocorre em idosos).
Esses princípios ativos citados podem provocar uma Síndrome Parkinsoniana típica, fármaco-induzida portanto, com tremores, rigidez ou hipertonia plástica e hipocinesia ou lentidão dos movimentos. Outros antagonistas do cálcio também assim se comportam, como o diltiazem, verapamil, nifedipina e outras drogas como os neurolépticos, entre estes a metoclopramida. Constatamos em varias oportunidades que alguns colegas, desconhecendo ou não se preocupando com aqueles efeitos colaterais danosos das mencionadas drogas, prescreveram para seu consulente um antiparkinsoniano de síntese do tipo levodopa, em vez de retirar ou suspender o fármaco provocador daquele infortúnio.
Ou seja, receitaram uma medicação para combater efeito adverso de outra medicação. E se esta outra medicação provocasse algumas reações desagradáveis, iríamos prescrever outro medicamento para coibir as reações do segundo? Aonde iríamos parar? Podemos citar as estatinas em um outro exemplo. Elas estão aí na mídia. Capa de revistas, etc. Entretanto se olhássemos para seus efeitos adversos pensaríamos dez vezes antes de prescrevê-las. Entre eles citamos os mais graves (raros, mas graves), rabdomiólise, pancreatite, neuropatia periférica. Usamos na grande maioria das vezes como hipolipemiante. Mas às vezes, cometemos alguns erros, usando-as em pacientes com níveis discretamente elevados de colesterol, que poderiam ser controlados com dietas e exercícios.
Costumo empregar a seguinte expressão nos casos em que usamos um potente medicamento para combater um simples sintoma: “E comprar uma vaca para tomar apenas um copo de leite”. Uma outra falha nossa, é prescrevê-las em pacientes idosos ou estressados, com as esperadas taxas(todas) elevadas e muito resistentes, e que não baixam com essas drogas. Nestes casos, não adianta tratar os efeitos e sim as causas (aliás, a boa Medicina se exerce assim). Alguém poderia dizer, bem, se for pensar nisso, se formos ler bulas, não medicamos ninguém. Sim, a nossa intenção é essa mesmo, ler a bula ou o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) para sabermos a composição, características farmacológicas, indicações, contra-indicações, efeitos adversos, interação medicamentosa, etc. para não medicar só por medicar.
A Politerapia é uma triste realidade. Estamos trazendo essas questões, fazendo essas considerações, para uma reflexão tanto dos colegas que estão iniciando como até mesmo dos mais experientes. Vamos pensar mais na causa, vamos procurar entender melhor nossos pacientes, entrar um pouco em suas vidas, não somos médicos para tratar apenas sintomas.
Para finalizar, fazemos aqui algumas sugestões. Primeiro, vamos abrir um espaço na nossa consulta para anotar o(s) medicamento(s), que nosso cliente está tomando. Segundo, vamos consultar o DEF, para procurar os efeitos adversos e a interação medicamentosa (não se envergonhe disso), antes de prescrever qualquer droga.
Os principais beneficiados com essa nossa atitude, somos nós mesmos, nossos pacientes e a sociedade como um todo. Devemos pensar bem nisso. Caso contrário, poderemos transformar a pílula que poderia amenizar a dor, trazer a cura e até mesmo a felicidade, na pílula da infelicidade.
*Neurologista e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRM-PB).
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