Escrito por Neri Tadeu Camara Souza*
Médicos residentes: São médicos recém-formados que estão em aprendizado de especialidade no atendimento hospitalar. Compõe as equipes médicas, mas têm necessariamente a orientação de um preceptor, podendo agir sem ele em casos em que for evidente a desnecessidade da presença daquele.” (RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA FRENTE AO ERRO MÉDICO. Obra disponibilizada na InternetRede mundial de interligação de computadores que permite a comunicação e a transferência de dados entre os que estejam conectados a ela por meio do Boletim Paulista de Direito, www.bpdir.com.br, em http:://usuarios.cmg.com.br/~bpdir/nartigo_61.htm, acesso em 15/12/2000).
O médico plantonista, profissional contratado pelo hospital, no seu exercício profissional é regrado pelos mesmos dispositivos que estabelecem, em juízo, a responsabilização do médico em geral. Ou seja, a teoria da responsabilidade subjetiva é que rege a análise pelo magistrado do ato que possa ter causado dano a um paciente. Portanto, têm que estar presentes os quatro componentes da responsabilidade subjetiva, a saber, ATO LESIVO (atuação profissional lesiva do médico), DANO (prejuízo para o paciente: eventus damni), NEXO CAUSAL (relação de causa e efeito entre o ato do médico e o dano sofrido pelo paciente) e CULPA (no agir do médico, na sua conduta). A culpa em casos de atendimento médico, geralmente, se caracteriza pela presença da negligência (não ser diligente, zeloso), imprudência (não ser prudente, cauteloso) ou imperícia (não ter a habilidade técnica necessária) na atuação do médico.
Mas, tem suas peculiaridades a possibilidade de ser responsabilizado judicialmente, no terreno do Direito Civil, o médico plantonista por dano sofrido pelo paciente. Sua responsabilidade deve ser avaliada considerando-se que todo paciente hospitalizado deve ter um médico assistente já que dispõe a Resolução nº 1.493 do Conselho Federal de Medicina, de 15 de maio de1998: “1 – Determinar ao Diretor-Clínico do estabelecimento de saúde que tome as providências cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha seu médico assistente responsável, desde a internação até a alta”, o que no entanto não exime o médico plantonista se ele for identificado como causador de dano ao atender uma intercorrência em um paciente. Ou mesmo, no atendimento médico em conjunto, pois as normas jurídicas brasileiras determinam que aquele que causar dano a outrem deve ressarci-lo, assim como estabelece que são responsáveis, pelo ressarcimento de um dano causado, não só os autores deste mas também os co-autores. Veja-se o teor do artigo 186, do Código Civil brasileiro, verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, o artigo 927, do mesmo código, em seu caputCabeça de Artigo (de Lei, de uma Ata, Contrato, etc.) que inclui parágrafos, itens ou alíneas : “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, e o artigo 942, em seu caputCabeça de Artigo (de Lei, de uma Ata, Contrato, etc.) que inclui parágrafos, itens ou alíneas , que diz: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”, bem como o Parágrafo Único, in limine, do mesmo artigo, que determina: “São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores”.
O médico plantonista só deverá, via de regra, ser responsabilizado por aquilo que realizou, ou determinou que fosse realizado, no seu atendimento ao paciente. Sem dúvida, é complexo, em determinados casos, até pela gravidade destes, o atendimento ao paciente internado devido ao caráter multidisciplinar da equipe médica, diria até ser uma característica da medicina atual, com assistAjudar, Auxiliar ência médico-hospitalar ao paciente durante as 24 horas do dia, participando, nestas situações, o médico plantonista como componente informal da equipe que presta o serviço médico. E, nestes casos, se dano ao paciente for causado, e não seja identificado o seu autor, os tribunais admitem que os participantes são solidariamente responsáveis (todos respondem igualmente judicialmente) pelo dano causado ao paciente. É a causalidade alternativa. Já ensinava isto René Savatier: “Responsabilité respective des divers médecins concourant au traitment d’um malade. – Normalement, leur rôle est respectivement spécialisé et defini. Ainsi, leurs fautes paraissement indépendantes les unes des autres. Si elles se combinent, les médecins ou chirurgiens responsables le seront in solidum.” (TRAITÉ DE LA RESPONSABILITÉ CIVILE EM DROIT FRANÇAIS – Civil, Administratif, Professionnel, Procédural. Tome II – Conséquences et Aspects Divers de la Responsabilité, 12. ed., Paris: Librairie Genérale de Droit et de Jurisprudence, 1951, p. 402-403), ou seja, em tradução livre do autor, “Responsabilidade respectiva dos diversos médicos que participam do tratamento de um paciente. – Normalmente, seu papel é respectivamente especializado e definido. Assim, suas culpas são consideradas independentes umas das outras. Se elas se conjugam, os médicos e cirurgiões poderão ser responsáveis solidariamente”. Como se depreende do escólio de Vasco Della Giustina: “É um grupo homogêneo, talvez um grupo permanente, que se mantém grupalmente no campo das intervenções cirúrgicas.
Sabe-se quem o integra, mas se ignora onde está a autoria em um caso concreto. Onde há relação entre o dano e a causalidade?
Nossos tribunais há mais tempo vêm resolvendo que, nestes casos, qualquer dos membros do grupo responde solidariamente, a menos que demonstre que do seu modo de atuar e do seu agir não resultou o dano” (RESPONSABILIDADE CIVIL DOS GRUPOS – Inclusive no Código do Consumidor. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 1991, p.14) . No mesmo sentido vai João Monteiro de Castro: “No caso de advir dano para o paciente, a responsabilidade será individual daquele que o inflingiu. Se não for possível localizar a origem da atenção médica danosa, a responsabilidade será coletiva, ou seja, de todos, a menos que alguém seja excluído, mediante prova de que não foi quem lesou.” ( RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. São Paulo: Editora Método, 2005, p.167). Só poderá vir a se eximir, pois, da responsabilização pelo dano aquele médico plantonista que provar que o seu agir não foi responsável por qualquer parcela da ocorrência de dano ao paciente, ou poderá vir a ser responsabilizado apenas na razão direta da sua participação para que este dano ocorresse, se provar no processo judicial o seu grau de atuação profissional no atendimento médico causador do dano. Esta atuação, por vezes pode até vir a ser primordial, no atendimento ao paciente, como é o caso do médico plantonista em Centro de Tratamento Intensivo, no caso, pois, um médico intensivista, seria, pode-se aceitar, em determinados casos, resguardando-se as características do caso concreto, o responsável maior pela atenção em saúde a um dado paciente, que ali se encontre internado.
A responsabilidade civil do médico residente, que é o profissional da medicina que realiza aprendizado de pós-graduação, em serviço, e tem esta atividade regulada pela Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981, que prevê em seu artigo 1º, verbis: “A Residência Médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”, merece uma abordagem sob três aspectos: 1. é regida quando analisada nos tribunais pela RESPONSABILIDADE SUBJETIVA, 2. tem características inerentes à RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA, e 3. apresenta aspectos da RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DE TERCEIRO. No que tange a responsabilidade subjetiva, isto implica em ser necessário para ser responsabilizado que o médico residente, como o médico em geral, aja com culpa quando pratique um ato que venha a causar dano a um paciente para poder ser responsabilizado. E, agir com culpa, geralmente, significa ter um atuar caracterizado pela negligência, imprudência ou imperícia. Não se pode prescindir, também, na atribuição judicial ao médico residente de responsabilidade por dano ao paciente da presença, além da CULPA no atuar, dos três outros elementos da responsabilidade subjetiva, quais sejam, um ATO LESIVO ao paciente praticado pelo médico residente, um DANO sofrido pelo paciente, e o NEXO CAUSAL entre estes, ou seja uma relação de causa e efeito entre o ato lesivo e o dano. Sobre a “Responsabilidade do Médico Residente” nos transmite Irany Novah Moraes: “A sua inexperiência não os exime da responsabilidade que têm perante os doentes.” (ERRO MÉDICO E A JUSTIÇA. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5. ed., 2003, p.571). E, diz mais: “O médico residente é médico como outro qualquer, tanto que, para o exercício de suas funções no programa de treinamento, é exigido dele vínculo com o Conselho Regional de Medicina e, dessa maneira, tem de seguir as suas normas e a elas está sujeito.” (op. cit, p.573).
No que se refere à responsabilidade solidária esta, no caso do médico residente, se relaciona ao dano causado por grupos, aqui o grupo, equipe, de médicos, formal ou informal, que presta atendimento ao paciente de uma instituição de saúde, incluído neste o médico residente. Esta solidariedade implica que se não for identificado, em juízo, o autor de um dano ao paciente, todos respondem igualmente pelo ressarcimento deste dano. Somente aquele que comprovar que o seu atuar no atendimento não pode ter sido o causador, ou mesmo um dos causadores, do dano poderá vir a ser eximido da responsabilização judicial. Cada membro de uma equipe médica causadora de um dano ao paciente pode vir a responder judicialmente apenas na razão direta da participação do seu atuar para a ocorrência do dano, se comprovar isto no processo. Sob a ótica da responsabilidade civil por fato de terceiro, uma responsabilidade pelos danos é imposta pela norma jurídica ao preponente (comitente), aqui o médico preceptor, pelo agir culposo do seu preposto, no caso, o médico residente, que venha a causar dano a um paciente. Cabe transcrever a norma capital no regramento desta relação jurídica, o artigo 932, do Código Civil brasileiro. que em seu inciso III diz: “São também responsáveis pela reparação civil: (…) III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Este comando legal vem muito bem expresso também na Súmula 341 do STF – Supremo Tribunal Federal: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”. Poderemos ter uma situação em que o dano ao paciente é conseqüência de uma omissão ou ação (ato) resultante da atuação em conjunto do preceptor e do médico residente. Neste caso poderá ocorrer responsabilização pelo erro, se este existir, tanto do médico residente como de seu preceptor. Será solidária a responsabilização destes pelos danos porventura sofridos por outrem. O diploma permite ao médico residente, devidamente habilitado, exercer sua atividade profissional integralmente, mas lhe atribui obrigações, dentre elas a de ser responsabilizado em juízo por dano que venha a causar a um paciente. Mas, geralmente, não se atribui o mesmo grau de culpa e responsabilidade (responsabilização) civil que é atribuído ao médico preceptor ao médico residente, até porque este está se aperfeiçoando. Poderemos igualmente ter uma situação em que não há a atuação, ou omissão do médico preceptor, ou seja, é exclusivamente do médico residente o atuar que vem a causar um dano ao paciente. Este, então, é quem poderá vir a ser responsabilizado pelo dano sofrido pelo paciente como decorrência de seu agir culposo. Mas, mesmo neste caso, em determinadas situações de atendimento, poderá também o médico preceptor, assim como o hospital, vir a ser responsabilizado em virtude da obrigação legal de fiscalização, vigilância, supervisão, orientação, da atividade de aprimoramento profissional (especialização) em serviço do médico residente, com presença física, obrigatória, respeitadas as circunstâncias, peculiaridades, do caso concreto, do preceptor nos atos médicos. No mesmo sentido vai Henrique Carlos Gonçalves: “Tal exigência é claramente colocada quando se exige que o médico residente, embora já legalmente habilitado, somente atue sob supervisão de preceptores experientes.” (ParecerManifestação ou declaração de uma opinião ou modo de pensar acerca de um fato ou negócio, podendo ser favorável ou não a ele, mostrando as razões justas ou injustas que possam determinar sua realização ou não. Culmina como um voto a favor ou contra. Envolve a opinião legal e doutrinária de um jurisconsulto a respeito de uma questão jurídica e sua posição em relação à solução a ser aplicada em cada caso. O Parecer Jurídico é provocado por uma consulta, em que se acentuam os pontos controversos da questão, a serem esclarecidos pelo consultado. , em 5 de dezembro de 2006, do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, na Consulta nº127.498/06,). Sobre isto complemente-se com o escólio de Miguel Kfouri Neto: “Quanto ao residente, já doutor em medicina, a responsabilidade é pessoal. Eventualmente, o preceptor de residência médica poderá responder solidariamente, caso permita que um residente de primeiro ano (R-1), por exemplo, realize ato da especialidade considerada, para o qual ainda não se encontre habilitado (apenas um R-3, p. ex., já estaria capacitado para tal).” (CULPA MÉDICA E ÔNUS DA PROVA. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.183-184). Os médicos integrantes do corpo clínico de determinado estabelecimento de saúde são considerados preceptores dos médicos residentes desta instituição, portanto, responsáveis solidários pelos danos porventura causados por estes aos pacientes em atos realizados sob a sua supervisão. É o mesmo caso de um hospital que poderá vir a ser responsabilizado em juízo, pelo dano que um médico residente venha a causar a um paciente, não só pela obrigação de vigilância do trabalho deste profissional na instituição, como também pela obrigação legal de eleger, escolher, para membro de sua equipe de saúde um elemento com capacidade técnica e moral suficientes e adequadas à função. Nesta mesma direção preleciona João Monteiro de Castro: “Se o profissional que lesou é empregado ou preposto do hospital aplica-se a responsabilidade pelo fato de outrem e, se a instituição for acionada e indenizar, fica com o direito de regresso (nota do autor: direito de intentar em juízo, sempre respeitadas as características do caso concreto e preenchidas as condições legais para tanto, como a presença dos quatro elementos da responsabilidade subjetiva, uma ação de regresso contra o causador do dano ao paciente para ressarcir-se do que pagou ao paciente por decisão judicial transitada em julgado) contra o faltoso.” (op. cit., p.169). O mesmo direito de regresso caberá, ao hospital, no caso de estarmos frente a um atendimento feito pelo médico plantonista.
A responsabilidade civil do médico plantonista e do médico residente, portanto, estão sujeitas a responsabilidade civil do médico em geral. Também estão sujeitos, ambos, às características da relação jurídica preposto e preponente expressa no inciso III, do artigo 932, do Código Civil brasileiro, no que tange ao seu relacionamento profissional com as instituições de saúde. Em particular, no que se refere ao médico residente, especificamente, cabe destacar a sua relação, no teor deste artigo, com os preceptores dos serviços de residência médica dos serviços de saúde onde se aperfeiçoa em serviço.
*Neri Tadeu Camara Souza é advogado e médico em Porto Alegre (RS).
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