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Conselho Federal de Medicina

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Escrito por Maria Helena Machado*

Motivada pela visita de um colega sociólogo, liderança da Federação Nacional dos Sociólogos, ao DEGERTS, que apresentou o pleito da sociologia de ser incluída entre as profissões de saúde, resolvi então escrever sobre o assunto: o que é uma profissão de saúde?

Estudiosa das profissões me sinto confortável em debater o tema.

Primeiro, quero registrar minha enorme alegria em receber uma liderança nacional dos sociólogos, uma vez que nos anos 80 estive, junto com outros colegas, na liderança do processo que culminou na aprovação da lei que regulamenta a profissão e cria a estrutura sindical que hoje existe. Àquela época, presidente de uma ‘entidade pré-sindical, com muito orgulho, recebi do então Ministro Pazzianoto, a primeira carta sindical da categoria.

A primeira pergunta que fiz ao colega foi: porque o pleito de incluir a sociologia como uma profissão de saúde?

Afinal, o que mudou tanto na formação e, conseqüentemente, na base cognitiva da profissão, para justificar este pleito?

O rigor conceitual me leva a exigir que a discussão deva se pautar, antes de tudo, com a definição precisa do que seja uma profissão e seu exercício profissional.

Deter uma sólida base cognitiva de conhecimentos específicos aplicáveis a uma dada realidade, com autonomia profissional de seus praticantes do oficio, é o que define uma profissão e a distingue de uma ocupação técnica.

Os movimentos que se estabelecem para que isso aconteça implicam em: construir historicamente a unificação paradigmática; definir a demarcação de territórios profissionais; estabelecer disputas jurisdicionais; demarcar nichos no mercado de trabalho demonstrando utilidade social da prática e dos praticantes e se organizar em formato de corporação para alcançar estes objetivos e manter este status quo, através dos sindicatos, associações e conselhos reguladores do exercício profissional. Entretanto, o mais importante de tudo isso é a garantia de uma base cognitiva e sua aplicabilidade social por pares com elevada autonomia profissional. O resto é decorrência deste fato central.

Durante toda a conversa, a correlação da base cognitiva e o exercício profissional não foram evidenciados entre a sociologia e a saúde.

A dúvida ainda persistia: afinal, em que fundamento se ancora o pedido? No conceito ampliado de saúde!

Estava ali o cerne da questão: ser incluída entre as profissões que fazem saúde, fundamentada no conceito ampliado de saúde. Mais uma vez, o rigor conceitual tomou conta do debate: afinal o que é conceito ampliado de saúde? ‘Saúde’ é conceituável, mas ‘conceito ampliado de saúde’, o que é isso? Fui então à internet pesquisar um pouco sobre o assunto e me deparei com alguns textos que, mais ou menos, diziam a mesma coisa e reforçavam o que afirmo acima.

Na internet retirei estes dois trechos que expressam bem o contexto.

Durante muito tempo, predominou o entendimento de que saúde era sinônimo de ausência de doenças físicas e mentais. Nesse sentido, os serviços de saúde privilegiaram, na sua organização, a atenção médica curativa. A Organização Mundial de Saúde define que “saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não a simples ausência de doença”. Essa definição aponta para a complexidade do tema, e a reflexão mais aprofundada sobre seu significado nos leva a considerar a necessidade de ações intersetoriais e interdisciplinares no sentido de criar condições de vida saudáveis.

Portanto, as ações na área da saúde devem extrapolar em muito a área exclusiva da atenção assistencial à própria saúde. Ações em outras esferas como habitação, transporte, renda, lazer, etc., devem ser implementadas com o objetivo de se garantir saúde aos brasileiros.

Neste contexto conceitual ampliado de saúde pode-se inserir o mundo e nos perdermos nele.

Além de tratar dos enfermos, curar as doenças, realizar cirurgias, fazer transplantes, tratar os males do corpo, do psíquico e do espírito, salvar vidas, promover ações preventivas de saúde, incluem-se, neste conceito ampliado de saúde, vida saudável, hábitos saudáveis, saneamento, controle ambiental, segurança pública, erradicação do analfabetismo, elevação da escolaridade, desenvolvimento social, pleno emprego, melhorias de vida e das condições de trabalho, entre outras variáveis.

Além disso, ao longo dos tempos, primamos por nos especializar em nossas ações e reivindicações traduzidas no Conselho Nacional de Saúde – CNS, em políticas e representações: das mulheres, homens, crianças, negros, índios, idosos, grupos vulneráveis, portadores de necessidades especiais, diabéticos, hanseníase, portadores de HIV, renais crônicos, autistas, etc. Tudo isso seria e é criativo e civilizatório se não perdemos a visão do todo, do Sistema Único de Saúde, da população que necessita da assistência. Disso, os 50% do CNS, representados pelos usuários, cuidam bem.

Parece-me que este conceito veio muito mais para convencer a sociedade de que saúde é muito mais importante e central do que se imagina. Isso é absolutamente justo e estrategicamente correto.

Nesta ótica todos aqueles que são responsáveis por esta gama de ações ampliadas de saúde devem ser incluídos no rol de profissões que atuam na saúde, devem ser considerados profissionais da vida. Assim, há que se considerar como justo e politicamente correto o pleito dos sociólogos.

Contudo, mantendo coerência e rigor conceitual, se de fato vamos adotar o conceito ampliado de saúde como paradigma para a formulação e implementação de políticas, é imperioso que sejam incluídos além dos sociólogos, os engenheiros sanitários, os pedagogos, os profissionais da comunicação em saúde, os juristas sanitários, os arquitetos hospitalares, os artistas, os músicos (doutores da alegria, por exemplo), músicos terapeutas, os economistas etc. Também teríamos que incluir àqueles que, ao longo do desenvolvimento da ciência, vem contribuindo para a produção de grandes achados científicos no campo das ciências médicas, como os cientistas biólogos, os físicos, os matemáticos, os químicos, os engenheiros mecânicos, os engenheiros de produção, os profissionais da informática com seus programas avançados que tanto contribuem para a disseminação das informações, entre outros aqui não citados. Não podemos esquecer os jornalistas que vem dando exemplos incontestes de que uma boa reportagem ou uma má reportagem podem provocar efeitos muito positivos ou deletérios na saúde da população.

Estaria confortavelmente satisfeita com esta listagem ‘sem fim’ de colaboradores da saúde se este fato não estivesse associado a uma pergunta chave: quem faz saúde? Que profissionais estão contidos no conceito de saúde e que profissionais estão contidos no conceito ampliado de saúde? Ou tomaremos a decisão radicalizada de que tudo é saúde e todos fazem saúde? O debate hoje no Conselho Nacional de Saúde impõe a tomada de decisão: todos fazem saúde!

Todos, de igual forma, devem opinar na formulação, definição e aprovação das políticas para o SUS. Mas como fazer isso? Como garantir isso sem desconsiderar a especificidade das profissões típicas de saúde que operam o sistema de saúde? Como definir se será o enfermeiro ou médico, ou farmacêutico, ou dentista, ou fisioterapeuta, ou assistente social, ou psicólogo, ou biólogo, ou veterinário, ou educador físico ou fonoaudiólogo ou as futuras profissões que entrarão para este rol de profissões de saúde que terá lugar de Conselheiro Nacional para tomar estas decisões em prol da sociedade?

A saída está dada: ‘o voto’. Não seria tão grave este fato se este voto não fosse processado entre pares profissionais que historicamente disputam espaços jurisdicionais, demandam territórios exclusivos de mercado de trabalho e disputam poder hierárquico nas equipes de saúde. É isso se torna grave e preocupante. Pares profissionais definindo quem são os ‘profissionais de saúde’ que terão assento no Conselho Nacional de Saúde com as funções que este Conselho impõe a todos que lá tem assento.

Por mais que eu reflita e analise as razões desta tomada de decisão, vejo que há uma importante razão: disputas jurisdicionais e disputas de poder no interior das corporações estão se valendo do conceito ampliado de saúde para, em nome dele e a favor dele, desconsiderarem de fato o que é saúde, quem são os profissionais de saúde, quem são essenciais, quem são imprescindíveis, quem são estruturantes dos serviços de saúde.

Por mais que eu veja a evolução do processo civilizatório em nosso país, em conceitos ampliados de educação, de justiça, de segurança pública, de desenvolvimento social, de igualdade racial, não me deparo com um Conselho de Educação sem professores e pedagogos; um Conselho de Justiça e Segurança Pública sem policiais e advogados; um Conselho de Assistência Social sem assistentes sociais.

Entretanto, na saúde é possível pensar um Conselho de Saúde sem médicos e enfermeiros!! Na saúde, o ‘conceito ampliado’ tomou conta do debate, seqüestrando as profissões essenciais e fundantes da saúde – enfermeiros e médicos – em nome da democracia entre pares.

Coerente com todo o texto evoco à comunidade destes pares fazendo a seguinte pergunta: médicos e enfermeiros não são fundamentais para o Conselho Nacional de Saúde na formulação, deliberação e acompanhamento das políticas de saúde? A opinião destes profissionais não são balizadores para a tomada de decisão no CNS?

Para não deixar de lado a minha coerência conceitual, vício da profissão, convido a todos para que reflitam sobre a possibilidade de termos, na bancada dos gestores, ao invés de conselheiro Ministro da Saúde, termos Ministro dos Esportes, Ministro da Educação, Ministro do Desenvolvimento Social, Ministro da Justiça, por exemplo.

Imaginemos que ao invés do CONASS e CONASEMS tivéssemos secretários de pastas referentes às áreas que compõem o cenário do conceito ampliado de saúde, ou seja, da educação, do desenvolvimento social, da justiça, da comunicação, dos esportes, da educação, entre outros! Imaginemo-nos sentados com estes gestores tratando de elaborar, deliberar e acompanhar a execução das políticas de saúde!

Quero concluir dizendo que a representação que hoje temos desenhado no CNS, para os trabalhadores, deve ser revista à luz das necessidades do sistema de saúde e não à luz das disputas jurisdicionais e de poder que estão estabelecidas hoje no interior dessas corporações, que acabam confundindo interesses sociais do SUS com interesses corporativos.

Brasília, 17 de junho de 2009.

* É socióloga, doutora em Sociologia, pesquisadora da Fiocruz e diretora do Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde, coordenadora da Subcomissão de Exercício Profissional do SGT 11 Saúde Mercosul, conselheira titular do Conselho Nacional de Saúde.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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