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Escrito por Antonio Celso Nunes Nassif*


“Não sois máquinas; homens é o que sois”.

(Charles Chaplin)


Certa vez, estava eu, em Salvador, na condição de presidente da AMB, prestigiando um movimento  reivindicatório  dos médicos  estaduais,  quando  ao  ser  entrevistado  por repórter  local,  me  foi,  por  uma ela  relatado,  o  seguinte  diálogo: “Perguntei ao governador Nilo Coelho, se ele não estava preocupado com uma possível demissão em massa dos médicos”.  Em  resposta  ele  teria  afirmado  com  ironia  e  desprezo:  “para mim, médico é como sal: branco, barato e eu encontro em todo o lugar”. Eu preferi não responder naquele momento. O fato passou e o tempo também. Contudo, nos dias de hoje sou obrigado a refletir sobre o que ele disse, diante da triste realidade que atinge o ensino superior, preocupando-me sobremaneira com o que possa vir acontecer.

Nosso  país  conta,  hoje,  com  196  escolas  médicas.  Só  neste  século  foram  criados  93 cursos.  Nove  de  uma  vez  no  último  dia  5.  Outros  18  novos  cursos  foram  autorizados para  diversas  IES  federais,  na  dependência  apenas  de  ato  autorizativo  do  MEC,  para iniciarem seus cursos. Ou seja, 27 novas faculdades autorizadas em apenas um dia. Ao mesmo  tempo,  também  se  aumentava  o  número  de  vagas  do  primeiro  ano  (1.395 novas vagas) em diversas escolas federais, mais especificamente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

É uma verdadeira “festa política”, equivocada e desastrosa, apenas para atender ao desejo do Planalto que quer, porque quer mais 4.500 vagas em medicina.  

Além  do  mais,  51  cursos  médicos  até  agora  autorizados a funcionar,  precisam  ainda submeter-se  ao  processo  de  reconhecimento,  sem  o  que  os  diplomas  por  elas atribuídos não poderão ser registrados em CRM para o exercício legal da profissão.  

Mais  autorizações estão a caminho e, provavelmente, virão “enriquecer” o já tão comprometido cenário do ensino médico no Brasil.  


Neste verdadeiro “festival de escolas médicas”, a Comissão de Ensino Médico do MEC presidida  pelo  Prof.  Dr.  Adib  Domingos  Jatene, que  durante  três  anos  auxiliou,  de forma  honorífica,  as  decisões  da  SESu/MEC,  sequer  foi  consultada,  numa demonstração clara de descaso do Ministro da Educação para com seus membros.

A inafastável garantia de qualidade e a necessidade social dos novos cursos foi deixada de lado para que a meta determinada pela Presidenta Dilma seja alcançada.

É oportuno, portanto, citar mais uma vez, o ex-consultor da República, prof. Dr. Saulo Ramos, que no seu Parecer nº SR-78 enfatizou, em dois itens, o seguinte:

Item 33 “A educação, direito de todos e dever do Estado, não pode ser transformada, sobretudo nos cursos superiores, em simulacro diplomado. A sociedade deseja médico que  saiba  medicina,  que  se  tenha  preparado  cientificamente  para  cuidar  da  saúde  do povo  e  que não  seja,  pela  precariedade  do  ensino  improvisado  na  industrialização  de diplomas,  uma  ameaça  à  vida  do  paciente  assim  como o advogado mal formado  é ameaça  ao  patrimônio  e  á  liberdade  individual  e  o  engenheiro,  sem  curso  sério,  é candidato a construir obras que desabarão”.

No  item  34: ele arremata seu pensamento: “Não se pode permitir, isto sim, o desabamento da estrutura do ensino brasileiro,  com  a  instalação  de  curso  de  medicina  sem  os  mínimos  recursos,  sem hospital  na  região,  sem  corpo  docente,  sem  bisturi.  O  dever  do  Estado  é  ministrar  a educação  e,  no  curso  superior,  assegurar  o  conhecimento  científico  que  irá, efetivamente, beneficiar a comunidade. O simples diploma não cumpre essa finalidade,

antes,  seria  um  estelionato  contra  a  sociedade  e  uma  grave  lesão  á  teologia constitucional”.

Há  que  se  impedir  que,  os  que  integram  uma  profissão  tão  digna  quanto  sublime  se transformem em “mercadoria ou máquinas”…  e  menos ainda,  em “sal”.


* Antonio Celso Nunes Nassif foi presidente da Associação Médica Brasileira e é  membro  da  Comissão  de  Ensino  Médico  do  MEC.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


 * Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60.


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