Hermann Alexandre Vivacqua von Tiesenhausen*
Apesar de terem surgido no Brasil na década de 1950, foi com a promulgação da Carta Magna de 1988 que as empresas do segmento da saúde suplementar ampliaram sua atuação no País. Pelo texto constitucional, em seu artigo 199, as instituições privadas ganharam a possibilidade de oferecer serviços médicos e hospitalares de forma a suplementar as dificuldades do Estado em suprir as demandas de parte da população.
Por sua vez, esses indivíduos, direta ou indiretamente, assumem o custeio dessa assistência. Assim, esse segmento no Brasil cresceu a tal ponto que passou a ser o maior mercado privado de serviços relacionados à saúde da América Latina. Dados recentes apontam a existência de mais de 1,3 mil operadoras que respondem pelo atendimento de cerca de 50 milhões de pessoas, a grande maioria formada por beneficiários dos chamados planos empresariais, pelos quais os empregadores assumem o pagamento integral ou parcial do benefício.
No entanto, a existência desse sistema privado não representa a desoneração do setor público na oferta da assistência para a população. Considerando-se os princípios da universalidade, integralidade e equidade que orientam o modelo de atenção público brasileiro, o fato de um indivíduo pagar um plano de saúde privado não o excluí da responsabilidade constitucional do Estado de lhe assegurar acesso aos cuidados que necessita nas etapas da prevenção e do tratamento de doenças.
Deste modo, o planejamento que deve orientar a implementação das políticas públicas de saúde e a execução do orçamento disponível para o custeio e o investimento nas ações decorrentes não podem ser feitos calculando-se uma população menor que a existente. Somos 204 milhões de cidadãos, não 154 milhões, e a lei é clara ao estender o direito de acesso à saúde oferecida pelo Estado a todos os brasileiros.
Além disso, os bons gestores – atentos às turbulências que o país atravessa – também não podem ignorar que a qualquer tempo esse contingente considerável de beneficiários da cobertura dada pelas operadoras pode voltar a depender exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), como já se vê na prática. Trata-se de uma movimentação que contribuirá para o crescimento de demanda por acesso a consultas, exames, procedimentos, internações e cirurgias, entre outros pontos.
Deste modo, os primeiros sinais do impacto da recessão econômica no Brasil na contratação de planos de saúde soam com alerta ao governo, exigindo-lhe a adoção de medidas urgentes que impeçam o aumento da atual crise no atendimento da rede pública. Afinal, a tendência, pelo menos durante os próximos anos, é de que as filas aumentem com milhões de vítimas da crise econômica.
Em outras palavras, evidencia-se uma relação direta entre taxa de desocupação, aferida pelo IBGE, e redução total de benefícios de planos coletivos. São milhares de brasileiros sem condições de pagar seus planos privados ou que não têm mais o direito de utilizá-los devido à perda do emprego, que serão obrigados a migrar para a rede pública que, por sua vez, já sofre com problemas graves de financiamento e de gestão.
Diante de perspectivas sombrias, evidentemente, os compromissos constitucionais com a sociedade não podem ser ignorados. As políticas públicas fundamentais, como o acesso à saúde por meio do SUS, devem ser tratadas com a devida prioridade pelos gestores. Devem ser entendidas como ações de Estado, não de Governo.
É isso que país espera para superar as dificuldades atuais, mantendo-se a confiança de que serão respeitados todos os avanços conquistados pela sociedade. Afinal, saúde é um direito de todos e dever do Estado.
* É 1º secretário do Conselho Federal de Medicina (CFM).
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