Escrito por Fernando Weber Matos*
A Medicina brasileira atravessa um período de turbulência. Nunca os médicos foram tão afrontados e desafiados como agora, quando o governo federal, como um mágico de circo mambembe, tira da cartola um projeto supostamente capaz de estender a saúde aos mais carentes, moradores de áreas pobres e de municípios pequenos e distantes.
Na realidade, apesar dos esforços ilusionistas para negar o incontestável, o objetivo do programa Mais Médicos é trazer ao Brasil milhares de médicos cubanos, entre eles, a reboque, centenas de médicos brasileiros formados em Cuba que não conseguiram revalidar seus diplomas dentro do que estabelece a legislação brasileira, comprovando suas limitações para exercer a medicina no País. Agora, com o programa, a porteira ficou escancarada.
Com essa iniciativa, que custará aos cofres públicos – abastecidos com dinheiro do contribuinte – mais de meio bilhão de reais, o governo contribui com recursos financeiros para manter o regime castrista e, além disso, proporcionar trabalho a médicos cubanos itinerantes, que ficarão com a fatia menor desse bolo com aspecto abatumado.
Na origem dessa situação está o descaso de sucessivos governos com a saúde pública, sempre destacada nos palanques eleitorais, mas sufocada nos gabinetes de todos os matizes. O financiamento tem sido insuficiente ano após ano, mas está claro que é grande também a responsabilidade dos gestores. A má gestão da saúde decorre muito da incompetência, do amadorismo e, principalmente, da desinformação sobre a realidade da saúde.
Os gestores, em vez de procurar as verdadeiras causas do caos em que a saúde se encontra, de maneira simplista e demagógica induzem o povo brasileiro a pensar que são os médicos os culpados pelas péssimas condições de atendimento. Na verdade, os médicos também são vítimas, porque não conseguem exercer a medicina da maneira mais adequada, ou seja, oferecendo aos pacientes todos os recursos necessários a um atendimento digno.
Na ânsia de justificar a vinda de médicos diplomados no exterior sem fazer revalidação, acusam o médico brasileiro de não querer atender em postos de saúde da periferia e em pequenos municípios. Escamoteiam, contudo, as condições de trabalho imperantes nesses locais, a ausência total de segurança, a falta de equipamentos e medicamentos, a falta de concursos públicos e também de contratos de trabalho, de plano de carreira, tudo isso agravado por salários muito baixos. Ao contrário, disseminam inverdades, como a oferta de salários elevados desprezados pelos médicos, passando à população a falsa ideia de que o médico é mercantilista.
Não faltou até quem comentasse, de forma irresponsável, que médico brasileiro desconhece o SUS e não atende com humanidade. O fato é que em todas as faculdades de Medicina os alunos desde logo trabalham com seus professores no atendimento a pacientes do SUS. Os médicos brasileiros conhecem, sim, a realidade e as carências dos pacientes. Quem diz o contrário demonstra ignorância ou até má intenção.
Os detratores dos médicos fingem, ainda, desconhecer que a residência médica é feita em hospitais públicos e com pacientes do SUS. Há anos trabalho em hospitais SUS, com alunos e residentes, e garanto que os pacientes são examinados e acompanhados com muita atenção e zelo por equipes de vários profissionais nas 24 horas do dia.
Enquanto isso, em meio ao caos da saúde, a promoção da saúde primária surge como solução imediata. São discursos demagógicos, porque a saúde primária só irá trazer resultados efetivos em longo prazo. Assim, é preciso manter o foco também na saúde curativa, que está hoje à beira da falência por falta de financiamento, excesso de pacientes e falta de condições de trabalho para os médicos.
Nos últimos anos, com a situação da economia no país estabilizada e em curva ascendente, os governantes tiveram tempo para mudar a saúde. Poderiam ter estruturado o setor, criando hospitais, regionalizando a saúde para reduzir a ambulancioterapia e a lotação absurda e desumana das emergências. Poderiam, também, ter criado um plano de carreira de Estado para os médicos, com salários dignos e compatíveis com o conhecimento técnico exigido e pela relevância de sua função e responsabilidade social.
Tivesse adotado as medidas necessárias em vez de pensar em planos onerosos e mirabolantes, o governo teria elevado a qualidade da medicina e dos serviços de saúde em geral de maneira constante e permanente. Ainda há tempo. Para isso, a União precisa investir na saúde o percentual que lhe cabe conforme a Emenda 29, como procedem os municípios e alguns estados. Infelizmente, o governo federal insiste em não fazer a sua parte.
*É presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers).
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