Escrito por Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
A polêmica autorização para o trabalho de médicos com diplomas obtidos no exterior sem revalidação e comprovação de proficiência na língua portuguesa encerra falso dilema, embutido na Medida Provisória 621/2013 que subsidia o programa Mais Médicos. A verdadeira questão resume-se à disponibilidade de médicos legalmente capacitados e habilitados.
Trata-se de estratégia criada para esconder a exposição da maior e mais carente parcela da população a profissionais sem qualificação comprovada, omitindo da sociedade o quadro de discriminação social estabelecido, com a divisão do povo em suseranos e vassalos ou cidadãos de primeira e de segunda categoria.
O argumento coator imposto aos cidadãos das áreas de difícil provimento se limita à seguinte premissa: aceite esse meio médico ou parte de médico ou permaneça doente.
A interpretação jurídica de caráter sociológico da MP, que possa vir a conferir-lhe relevância social, aponta para um paradoxo moral e ético e configura-se como a hermenêutica do desamparo.
Em todos os países citados, como exemplo e justificativa desse Programa, a revalidação dos diplomas estrangeiros é prerrogativa inarredável para o exercício da medicina. Esse ato permite o desempenho da atividade sem o cerceamento das liberdades individuais, com garantia de qualidade dos serviços prestados para os pacientes.
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (n.º 9394/1996) exige que os médicos estrangeiros revalidem seus diplomas em instituições públicas de ensino superior. Tal exigência é reforçada por outra regra ainda em vigor: a Lei n.º 3.268/1957. Portanto, o projeto em fase de implementação resulta na contratação ilegal de brasileiros e estrangeiros com diploma de médico obtido em outros países.
Não obstante essa agressão legal, no caso de todos os estrangeiros, ainda surge uma outra – igualmente revestida de gravidade – para os cubanos importados. As condições de trabalho previstas para este grupo não atendem aos ditames constitucionais e implicam na aceitação – por meio de acordo bilateral – de práticas coercitivas dentro do território nacional, típicas de regimes totalitários ou ditatoriais.
Se existe dificuldade de acesso e de oferta da assistência às populações de municípios distantes ou das periferias das grandes cidades não serão em medidas com essas características que o País encontrará as soluções adequadas.
Não é admissível que o Estado Brasileiro – signatário de diversos tratados internacionais para a tutela dos Direitos Humanos, inclusive para a erradicação do trabalho escravo – possibilite a contratação de estrangeiros em situações precárias, com cerceamento de direitos individuais e coletivos e com a retenção da maior parte dos recursos recebidos pelo governo cubano.
As autoridades brasileiras não podem explorar o labor de milhares de pessoas, desrespeitando as leis vigentes no País, em especial a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o artigo 7º da Carta Magna (tutela dos Direitos Sociais Trabalhistas).
Os gestores do nosso Sistema Único de Saúde (SUS) utilizam em larga escala o argumento de que os médicos estrangeiros não podem ser excluídos do Programa Mais Médicos, sob pena de instaurar o caos na Saúde Pública. Dizem que inexistem médicos nativos em número suficiente e dispostos a trabalhar no interior. Com mecanismos de marketing lançam a opinião pública contra qualquer posição divergente.
Essas premissas são falsas e apenas impedem um debate pautado por consistência e transparência. O Brasil, a dignidade e a saúde de seu povo, assim como a consideração aos seus médicos, valem mais do que uma eleição!
* É 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
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