Escrito por Antonio Carlos Lopes*
A formação acadêmica e universitária de alto nível faz com que o profissional da saúde tenha condições de opinar sobre a qualidade do ensino médico e da assistência médica prestada aos cidadãos, independentemente da especialidade à qual se dedica. Isso é tão verdade que, não raro, vemos na academia indivíduos de uma determinada especialidade médica examinando profissionais de outra. Nesse contexto, enquanto mentor científico de uma influente entidade médica, sinto-me em condições de avaliar e criticar qualquer iniciativa no âmbito do associativismo.
Além de Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, sou Professor Titular de Clínica Médica e também de Medicina de Urgência da Unifesp/EPM, uma das principais escolas médicas do país. Nesta universidade demonstrei minha visão empreendedora quando criei a Disciplina de Medicina de Urgência, atitude nobre que refletiu meu comprometimento com a formação dos profissionais da área. Esclareço que hoje, apesar do meu objetivo não ser atuar como emergencista e nem como intensivista, já trabalhei muito tempo na função e possuo todas as credenciais necessárias. Atualmente atendo casos de urgência com sucesso em minha clinica particular e também na UTI e enfermaria de Clínica Médica da Unifesp/EPM, setor pelo qual sou responsável. Já atuei como chefe do Pronto-Socorro em Urgências Clínicas do Hospital São Paulo, além de ter sido plantonista por 11 anos na Unidade de Terapia Intensiva de um dos principais hospitais da capital paulista, com título de especialista conferido pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
O que não sou, e nunca fui, é socorrista, termo erroneamente apontado por alguns como sinônimo de emergencista. Aliás, a conceituação do que é este profissional ainda não foi devidamente realizada. Precisamos estar atentos ao fato de que não é apenas o médico generalista que atua na emergência. Cito como exemplo o obstetra que, diante de uma eclampsia ou de um descolamento prematuro da placenta, age como emergencista. Também o ginecologista diante de uma pelveperitonite, o ortopedista atendendo a um trauma ortopédico e o neurocirurgião frente a um trauma crânio-encefálico são emergencistas.
No que tange ao título de especialista em urgência e emergência, a proposta de criação de uma nova especialidade não resolve o problema do atendimento de urgência no Brasil, que exige política de governo competente e não eleitoreira. Além disso, em um país no qual se verifica grande necessidade de profissionais competentes nessa área, fazer da Medicina de Emergência uma especialidade é uma medida meramente separatista e de risco para os médicos que exercem a profissão. O mercado exigirá indivíduos que sejam titulados e a grande maioria certamente não terá o documento, estando exposta a aspectos éticos e jurídicos por não possuir o respaldo necessário. Quem pensa na Urgência e Emergência em um país como o Brasil, de dimensões continentais e com regiões de difícil acesso, não pode desconsiderar o cerne da questão, que é a boa formação profissional. O que precisamos é de médicos que atuem na urgência e emergência com competência e não apenas portadores de um papel. Essa visão abrangente só consegue ter aquele que possui sólida vivência profissional, acadêmica e associativa.
O que o profissional realizou no passado garante seu sucesso no presente e lhe dá conhecimento para prever o futuro. Por isso, falo de Medicina de Urgência e Emergência com propriedade. Estar habilitado para entubar o paciente não basta. É importante a boa proposta acadêmica, científica e associativa, além do compromisso ético com a comunidade e com a classe médica. Hoje, forçar o médico que atua nas emergências a ter título de especialista em Medicina de Emergência seria uma atitude de risco para aqueles indivíduos competentes que trabalham na área e que, pela sua atividade, dispensam completamente o certificado de especialista.
* É presidente da Sociedade Brasileira d eClínica Médica (SBCM).
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