Escrito por Cristina Rodrigues da Cruz*
DEFINIÇÃO
O Dengue é hoje a mais importante arbovirose que ataca o homem e constitui um sério problema de saúde pública, especialmente em áreas tropicais onde as condições do meio ambiente favorecem o desenvolvimento e a proliferação do Aedes aegypti , seu principal vetor.
AGENTE ETIOLÓGICO
A doença é causada por um arbovírus , membro da família Flaviridae , gênero Flavivirus , cujo genoma é composto por RNA. Conhecem-se atualmente quatro sorotipos distintos: vírus do dengue 1 , 2, 3 e 4 (DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4, respectivamente). Estudos de biologia molecular permitiram a classificação do agente em diferentes genótipos.
FATORES PREDISPONENTES
A doença foi introduzida em vários países, podendo-se resumir sua distribuição geográfica como pan-tropical , disseminando-se devido à existência de condições favoráveis como ambientais, relacionadas ao vetor ou a população .
Quanto aos fatores ambientais , os vetores que transmitem o dengue conseguem um habitat favorável para sua reprodução em áreas úmidas, com alta precipitação pluvial, altitude menor que 2200 metros e temperatura média anual maior que 20 o C. Fatores relacionados ao vetor
O principal vetor em nosso meio é o Aedes aegypti , um mosquito com hábitos domésticos, de coloração escura com manchas brancas pelo corpo e pernas, medindo 5 a 7 mm de comprimento. A fêmea possui o hábito de picar durante o dia, principalmente duas a três horas após o amanhecer e algumas horas antes do anoitecer. Ela necessita de sangue humano para a maturação de seus ovos, colocando-os em criadouros artificiais tão comuns no meio doméstico, como vasos de plantas, reservatórios de água abertos, etc .. Após sete a dez dias eclodem as formas adultas do vetor. O macho alimenta-se exclusivamente da seiva das plantas. Após a fêmea picar um indivíduo em fase de viremia, a replicação do vírus ocorre em suas glândulas salivares em oito a doze dias, quando esta se torna infectante por toda sua vida, em média oito semanas, e poderá picar neste período até 300 pessoas.
O homem é tido como principal disseminador do vírus do dengue a longas distâncias por métodos modernos de transporte aéreos e terrestres, pois o raio de vôo do Aedes é relativamente pequeno. Fatores relacionados à população
Existe um maior risco e infeção em áreas com moderada ou alta densidade populacional, padrões de assentamento inadequados, habitações com ausência de água encanada e com recipientes para armazenamento da mesma inadequadamente vedados , coleta de lixo deficiente, proporcionando acúmulo de recipientes descartáveis e baixas condições sócio-econômicas.
PERÍODO DE INCUBAÇÃO E TRANSMISSIBILIDADE
Após ser picado por um mosquito infectado, o indivíduo passa por um período de incubação que varia de 3 a 15 dias, em média 5 a 6 dias. O período de transmissibilidade do homem para o mosquito inicia um dia antes do início da febre e vai até o sexto dia de doença, correspondendo a fase de viremia, quando surgem os anticorpos da classe IgG e IgM .
SUSCETIBILIDADE E IMUNIDADE
A suscetibilidade ao vírus do Dengue é universal. A imunidade desenvolvida é permanente para um mesmo sorotipo (homóloga), existindo, contudo, imunidade cruzada ( heteróloga ) temporária para os demais sorotipos. A resposta imunológica à infecção aguda pode ser primária, em pessoas não expostas previamente ao vírus do Dengue, e secundária, em pessoas que tiveram infecção prévia.
A suscetibilidade ao Dengue Hemorrágico não está totalmente esclarecida. As hipóteses que procuram explicar sua ocorrência relacionam o aparecimento do Dengue Hemorrágico à virulência da cepa infectante (Teoria de Rosen ), à ocorrência e infecções seqüenciais por diferentes sorotipos num período de três meses a cinco anos (Teoria de Halstead ) e a fatores de risco relacionados ao hospedeiro como idade, sexo, estado imunitário, etc (Teoria da Multicausalidade ).
ASPECTOS CLÍNICOS
A infecção pelo vírus do dengue exibe uma variedade de apresentação, podendo ser:
• Assintomática
• Sintomática como uma febre não diferenciada (síndrome viral)
• Síntomática com Síndrome da Febre do Dengue (ou Dengue Clássico ) ou Febre Hemorrágica do Dengue (ou Dengue Hemorrágico )
Dengue Clássico
Caracteriza-se por um início abrupto com febre elevada, podendo ocorrer cefaléia intensa, dor retro-ocular, anorexia, vômitos, diarréia, dor abdominal (principalmente em crianças), mialgias , artralgias , adenomegalia e ocasionalmente hepatomegalia . Ao final do quadro febril em 30% dos casos surge o exantema que inicia-se no tronco disseminando-se posteriormente para os membros e face, podendo acometer inclusive regiões palmo-plantares. Seu aspecto é geralmente máculo-papular ou escarlatiniforme e é acompanhado por prurido generalizado. Na sequência, descamação furfurácea semelhante a do sarampo pode ocorrer. Hemorragias leves com epistaxe, equimoses ou gengivorragia podem estar presentes, não caracterizando o “dengue hemorrágico”. A doença tem duração de 5 a 7 dias. Com o desaparecimento da febre, há regressão dos sinais e sintomas, podendo ainda persistir a fadiga.
Dengue hemorrágico
A sintomatologia é a mesma da febre clássica do Dengue porém evolui rapidamente para manifestações hemorrágicas. A maioria dos pacientes apresenta manifestações hemorrágicas leves, como prova do laço positiva, petéquias , epistaxe , gengivorragia , metrorragia , e alguns evoluem com hemorragias expontâneas em locais de punção venosa, sufusões hemorrágicas, hemorragias gastrointestinais, intracraniana, hematúria, derrames cavitários .
A prova do laço é realizada inflando-se o manguito do esfigmomanômetro na PA média durante 5 minutos; é considerada positiva se aparecerem 20 ou mais petéquias em uma área de 2,5 cm 2 no local da pressão ou abaixo desta. Convém lembrar que outros agravos infecciosos podem cursar com prova do laço positiva, como febre amarela e leptospirose, não sendo patognomônica de dengue.
Em casos graves, entre o terceiro e sétimo dia da doença o estado do paciente se agrava repentinamente, ocorre alteração da permeabilidade vascular, com deslocamento de plasma para interstício e cavidades, com hemoconcentração , falência circulatória e choque hipovolêmico não hemorrágico, podendo levar ao óbito em 12 a 24 horas se não tratados adequadamente.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ocorrendo plaquetopenia (< 100.000 mm 3 ) e hemoconcentração (aumento de pelo menos 20% nos valores habituais do hematócrito ) com ou sem a presença de manifestações hemorrágicas expontâneas ou induzidas, considera-se o paciente portador de dengue hemorrágico.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Considerando-se o amplo espectro clínico do Dengue, as principais doenças a serem consideradas no seu diagnóstico diferencial são:
Dengue Clássico: gripe e doenças exantemáticas como rubéola, sarampo e escarlatina. Convém lembrar que as características peculiares de cada uma destas entidades, como pródromos , tipo de evolução e estado vacinal podem facilitar a diferenciação.
Dengue Hemorrágico: Meningococcemia , choque endotóxico por outras infecções bacterianas, febre amarela, malária, leptospirose, hepatite infecciosa e outra febres hemorrágicas.
ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
O hemograma demonstra leucopenia , linfocitose relativa com atipía linfocitária .
Nos casos de Dengue hemorrágica haverá plaquetopenia e aumento do hematócrito . Outras anormalidades observadas nos casos complicados são: hiponatremia , hipoproteinemia , aumento discreto ou moderado de transaminases , alterações de provas de coagulação, aumento de uréia e creatinina e diminuição de complemento C3.
DIAGNÓSTICO ESPECÍFICO
O Brasil conta hoje com 12 laboratórios de referência para a confirmação sorológica da doença, bem como identificação do sorotipo circulante. No Paraná o diagnóstico é realizado pelo LACEN ( Laboratório Central do Estado/ SESA-PR)
O método mais freqüentemente utilizado é a reação imunoenzimática de captura de IgM (MAC ELISA)
A coleta da amostra para confirmação laboratorial deve ser realizada no momento da primeira avaliação médica, a partir da suspeita clínica e epidemiológica. Os casos com a primeira amostra negativa, coletada antes do quinto dia do início dos sintomas, devem ter uma segunda coleta repetida.
TRATAMENTO
Dengue Clássico : o tratamento é domiciliar, visando o alivio dos sintomas.Recomenda-se aumento da ingesta hídrica, repouso, e analgésico e antipiréticos como paracetamol ou dipirona . Deve -se evitar os salicilatos que inibem a agregação plaquetária e formação de protrombina , podendo propiciar hemorragias.
Dengue Hemorrágico : os pacientes devem ser observados rigorosamente para identificação dos primeiros sinais de hemorragia ou choque. Nos casos de hemorragias leves, pode -se usar soluções de hidratação e avaliação ambulatorial. Dosagem seriada do hematócrito e plaquetas podem auxiliar no acompanhamento. Nos casos de hemorragias mais intensas ou sinais de choque, o paciente deverá ser hospitalizado para hidratação endovenosa, correção de distúrbios hidro-eletrolíticos e ácido-basicos e monitorização.
DEFINIÇÃO DE CASO SUSPEITO
Dengue Clássico : paciente que tenha doença febril aguda com duração máxima de sete dias, acompanhada de dois dos seguintes sintomas: cefaléia, dor retro-ocular, mialgia , artralgia, prostração ou exantema. Além destes sintomas, deve ter estado nos últimos quinze dias, em área onde esteja ocorrendo transmissão do Aedes aegypti .
Dengue Hemorrágico : é todo caso suspeito de Dengue Clássico que apresente também manifestações hemorrágicas, variando desde prova do laço positiva até fenômenos mais graves como hematêmese, melena e outros.
CASO CONFIRMADO
É o caso confirmado laboratorialmente. Em curso de uma epidemia, a confirmação pode ser feita através de critérios clínico-epidemiológicos.
MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE
Ainda não existe vacina eficaz contra o dengue nem tratamento específico antiviral que combata a viremia.
A prevenção do dengue é feita basicamente através do combate ao vetor e da vigilância epidemiológica, que deve compreender tanto notificação de casos suspeitos com também busca ativa de mosquitos Aedes aegypti.
Para o controle do vetor, a participação da comunidade é extremamente importante na erradicação dos locais com água que sirvam como criadouros do mosquito. Faz-se necessário, para tanto, campanhas de esclarecimentos dos vários segmentos da população utilizando os meios de comunicação, coordenados pelas autoridades sanitárias da região.
O tratamento focal é feito com eliminação de formas larvárias com um larvicida granulado (Temephós 1% – Abate), que é inócuo para o homem podendo ser utilizado em água potável.
O tratamento perifocal é feito contra as formas adultas nas paredes das casas com inseticidas organofosforados.
O “fumacê”, pulverização com inseticidas sob a forma de aerossóis a ultra baixo volume, é indicado para borrifação ambiental perifocal nos locais onde foram identificados casos de dengue e/ou o vetor, porém o inseticida somente age nas formas aladas do mosquito.
Melhoria das condições higiênico-sanitárias das habitações, do abastecimento público de água e do sistema de coleta e destino final de resíduos sólidos são medidas também importantes no controle do dengue.
REFERÊNCIAS
Ramos Junior AN, et al. Dengue. In: Batista et. al. Medicina Tropical. Abordagem atual das Doenças Infecciosas e Parasitárias. Cultura Médica, 2001 , p. 613-620.
Nogueira SA. Dengue. J. pediatr . 1999; 75 (Supl. 1): S9-S14.
Silva DMW. Dengue – Atualização. Monografia de conclusão de Residência Médica em Pediatria, UFPR, 1998.
Boletim Epidemiológico de Curitiba. Ano XII, Nº 3. Novembro/Dezembro de 2001.
* Comitê Infectologia Soc Paranaense de Pediatria
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