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Isac Jorge Filho*

 

Senhor Ministro,

O senhor não poderia conseguir meio mais eficaz para se colocar como inimigo da maioria dos médicos brasileiros do que com sua falácia quanto a “médicos que fingem trabalhar”. Apenas escaparão como seus aliados aqueles que sua mensagem atingiu, ou seja, os médicos que fingem que trabalham. Mas, o senhor vai se decepcionar, eles são pouquíssimos. O MÉDICO BRASILEIRO TRABALHA MUITO!

É pena que o senhor chegue a ocupar o Ministério da Saúde e não conheça como trabalham os médicos de seu país: sem material adequado, agredidos em hospitais e unidades de saúde, assaltados nas unidades mais periféricas, mortos em acidentes, ao sair cansados de plantões, contaminados no seu trabalho por falta de equipamentos de proteção. A lista é muito mais longa, mas ficaremos por aqui.

Como o senhor deve saber, de um modo geral, os médicos brasileiros dirigem-se para assistência, pesquisa ou docência.

Sua equipe certamente tem amplo acesso à mídia e deve saber que estão cada vez piores as condições para trabalho em pesquisa e docência em nosso país. Muitos dos nossos melhores profissionais estão saindo do Brasil em busca de condições dignas de trabalho, muitas vezes para terminar pesquisas começadas aqui e interrompidas, não por “fingir que trabalha”, mas por falta de matéria-prima, insumos, equipamentos e recursos humanos auxiliares. Esses colegas carregam para o exterior todo o aprendizado de anos e anos, bancados com os recursos saídos, direta ou indiretamente, de recursos vindos dos bolsos dos brasileiros. Se pudessem, não fariam essa opção. Carregam também a sensação amarga de não conseguir realizar sonhos que envolviam a vida e o futuro em seu país. Sentem, no fundo da alma, a enorme decepção de saber que as autoridades pouco ou nada fizeram para impedir seu exílio – voluntário, mas forçado pelas condições precárias que nossos governos legaram ao Brasil. Sabem, como todos nós, que seu governo dirá que a culpa é do governo anterior, assim como o governo anterior alegava que os culpados estavam nos governos dos antecessores. Já estamos fartos desse joguinho político e cansados de assistir ao mesmo filme de terror, agora acrescido de sua declaração que atinge toda a classe médica brasileira e mostra sua enorme insensibilidade e desconhecimento dos reais problemas que afligem a saúde do Brasil.

Como o senhor deveria saber, a situação na área da assistência à saúde pública é ainda pior. Falta de tudo, e não estamos falando de coisas complexas ou altamente tecnológicas. Desde fios e compressas até medicamentos do dia a dia. Hospitais, unidades de saúde e mesmo faculdades insistem em tentar conseguir condições mínimas para que os profissionais possam exercer adequadamente seu trabalho. E o senhor diz que os médicos fingem que trabalham? Nós perguntamos se o senhor trabalha para resolver nossos problemas de saúde ou finge que trabalha, fazendo declarações de alcance nacional como essa? Sabemos que o senhor não é da área da saúde e não sente pessoalmente as enormes necessidades deste país doente. É mais fácil, como tem feito a maioria de seus antecessores, colocar a culpa nos médicos, certamente o elo mais frágil na corrente que deve manter um bom sistema de saúde. Primeiro vocês argumentaram que faltavam médicos e aumentaram o número de vagas nas faculdades e de novas faculdades. Trouxeram médicos do exterior sem passar por exames de qualificação (todos seriam médicos realmente?). Como não deu certo e não querem confessar que o problema não está no trabalho médico, mas na ineficácia de um sistema desequilibrado, querem agora dizer que o problema não é mais o número de médicos, mas o pretenso fato de que os médicos fingem que trabalham. São argumentos pouco mais que infantis, mas seria necessário que a população percebesse esse jogo para que ele fosse desfeito. Mas, infelizmente, as mídias de acesso colocadas à disposição das pessoas estão em sua grande maioria comprometidas com as condutas governamentais ou de grandes empresas. Ainda assim, vamos continuar insistindo com a verdade, e a verdade é que A GRANDE MAIORIA DOS MÉDICOS BRASILEIROS TRABALHA MUITO, EM MÁS CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO PROFISSIONAL E NÃO PODE ARCAR COM ESSA ARMAÇÃO – QUE NÃO É NOVA – DE QUERER ENGANAR A POPULAÇÃO COLOCANDO NAS COSTAS DOS MÉDICOS UMA RESPONSABILIDADE QUE NÃO É NOSSA, MAS DE UM SISTEMA BEM PLANEJADO, MAS GERENCIADO POR PESSOAS INCAPAZES DE ENTENDER QUE O BRASIL É UM PAÍS DE MUITAS DOENÇAS, E A PRINCIPAL DELAS É A INSENSIBILIDADE POLÍTICA QUE POR TANTOS ANOS AQUELES QUE ESCOLHEMOS NAS URNAS CUIDAM DE MANTER.

 

Cordialmente,

Prof. Dr. Isac Jorge Filho
MÉDICO

 

 

* Isac Jorge Filho é professor titular de Bioética da Universidade de Ribeirão Preto (SP) e chefe do Serviço de Gastroenterologia e Nutrição da Santa Casa do município paulista, ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e ex-conselheiro suplente do CFM.

 

professor da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).

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