Escrito por Miguel Angel Suárez Ortiz*
O Ministério da Saúde, por meio de ato administrativo determinou aos médicos a realização de aborto, em caso de estupro, sem a apresentação do Boletim de Ocorrência, ou queixa formalizada na Polícia. Sem entrar no questionável mérito alegado, restringir-nos-emos ao aspecto estritamente legal do assunto. O Código Penal, no seu art. 128, informa:
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: I- se não há outro meio de salvar a vida da GESTANTE;
II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Até ai, aparentemente não haveria problema. Acontece que isso, à luz da legislação vigente não acontece da forma que o Ministério acha. Em primeiro lugar o médico, enquanto agente público, deve cumprir a lei. Em segundo lugar, o estupro, apesar de ter sido classificado como crime hediondo, não teve modificado o seu procedimento para registro da ocorrência, tal como pode ver-se no Código Penal e de Processo Penal.
Inicialmente deve ser esclarecido que na legislação Penal existem dois tipos de crime: de ação penal pública e de ação penal privada. Os públicos dispensam qualquer tipo de queixa ou representação; os privados exigem queixa ou representação para serem apurados e punidos. Especificamente no que tange ao estupro, o Código Penal, no art. 225, determina que – “Nos crimes definidos nos capítulos anteriores (Crimes contra os Costumes = estupro, atentado violento ao pudor, sedução e corrupção, rapto e outros), somente se procede mediante QUEIXA.” Excepcionando nos seus parágrafos que § 1º Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
i – se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II- se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.
§ 2º – No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação. Como se vê no antes exposto, nenhuma dúvida pode restar de que o crime de estupro é um delito de ação privada, eis que de uma ou de outra forma a queixa ou a representação é requisito para dar início ao processo. Reforçando o nosso posicionamento, a Lei das Contravenções Penais prescreve ser obrigação do servidor público ou do médico noticiar à autoridade policial mais próxima sob pena de sanção penal, crimes de ação pública que não dependam de representação.
Lei nº 3.688/41 Lei das Contravenções Penais.
Art. 66- Deixar de comunicar à autoridade competente: I – crime de ação pública, de que se teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;
II – crime de ação pública, de que se teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o paciente a procedimento criminal.
Pena : Multa Conclui-se portanto, que o estupro, mesmo tipificado como crime hediondo, continua sendo um tipo delitivo cuja apuração exige queixa, ou representação de quem o sofreu, para ser considerado como tal e assim sendo, não há como realizar um aborto, sem que o crime esteja, pelo menos, em tese, denunciado, já que inexistindo queixa ou representação, inexiste o crime e assim sendo, o médico não pode realizar o aborto sob pena de cometer o delito previsto no art. 126 do Código Penal: provocar aborto com consentimento da gestante, punido com reclusão de 1 a 4 anos. E essa pena é aumentada para 3 a 10 anos, se a gestante for menor de 14 anos, ou alienada, ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
* É assessor Jurídico do Conselho Regional de Medicina do Estado do Acre (CRM-AC).
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