Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
Em meados da década de 1990, o ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, um dos maiores ícones da cardiologia mundial, usou todo o seu prestigio, no Congresso Nacional, para aprovação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF).
Com essa finalidade, o professor Adib Jatene peregrinou, por gabinetes e reuniões, com argumentos em defesa do retorno do Imposto sobre o Cheque, extinto em 1994. Sustentava que com esse tributo seria reduzida a falta de recursos para a assistência à saúde pública.
A conquista do eminente cardiologista foi desperdiçada! O Ministério da Saúde perdeu mais recursos do que os conseguidos com a CPMF, em face de ardilosas manobras que mantiveram o perfil histórico de menor atenção ao Sistema Único de Saúde (SUS). Traído, o ex-ministro despediu-se do governo em novembro de 1996.
Quase 20 anos depois, o Governo Federal, com a necessidade de erário como suporte aos cofres públicos, saqueados nos últimos 12 anos pelo fisiologismo e corrupção, característicos das políticas eleitoreiras e partidárias de causas pessoais, volta a solicitar o apoio do Congresso Nacional para o retorno da CPMF.
A proposta é a de permanência da CPMF por quatro anos, com uma alíquota de 0,20% sobre as movimentações financeiras e, de acordo com o Ministério da Fazenda, estima-se que com a sua aprovação, no primeiro ano seriam acrescidos R$ 32 bilhões na arrecadação tributária, com consequente alívio das contas da União, hoje com lastro em “pedaladas fiscais e contábeis”.
O objetivo desta proposição não é exatamente o de assistência à saúde, o que se quer são mais receitas em exercícios futuros e a supressão de um déficit de quase R$ 30 bilhões no orçamento de 2016, elaborado com a suposição de mais impostos, taxas e contribuições, sem preocupação com o detrimento do emprego e da cadeia produtiva.
Na ânsia por equações orçamentárias, buscando êxito nas discussões e decisões do Congresso sobre a CPMF, o Governo Federal prometeu repartir o aporte desses recursos com os estados e os municípios, todos endividados com a União e, assim, vulneráveis em sua independência administrativa e política, em um contexto de ameaça ao Pacto Federativo.
Porém, cabe ressaltar que as contribuições não são divididas entre os entes federativos. Apenas os impostos, por lei, são compartilhados, tornando-se, portanto, previsíveis as dificuldades de crédito ao governo para o cumprimento de sua promessa. Afinal, quem vive de promessas são os santos, e os gestores estão longe da santidade!
No decurso de 11 anos, entre 1996 e 2007, foi conseguida, por meio da CPMF, uma arrecadação de R$ 223 bilhões. Neste período, a evolução da carga tributária aumentou de 26,1% para 32,2% do PIB, sem significativa repercussão social, particularmente na área da saúde, para a qual tinha sido destinada.
No âmbito do SUS, só foram aplicados, naqueles 11 anos, R$ 112 bilhões em ações de custeio e investimento. O restante foi enviado à Previdência Social, ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza e ao caixa do Tesouro Nacional.
Em 12 anos, entre 2003 e 2015, um montante superior, mais de R$ 136 bilhões, orçado, autorizado e disponível ao Ministério da Saúde, deixou de ser utilizado. Foi contingenciado por incapacidade administrativa e, provavelmente, devolvido para superávit primário.
É importante salientar que em 2015, entre 41 signatários da Convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos em Transações Internacionais, o Brasil foi classificado como um dos países que pouco ou nada fizeram contra os desvios de verbas nos últimos quatro anos.
Na mesma de linha de constatações, a Controladoria Geral da União (CGU), após auditorias motivadas por uma pequena parte das denúncias recebidas, apontou distorções ou uso irregular de recursos públicos na área da saúde que superaram o valor de R$ 4 bilhões.
Trata-se, aqui, tão somente de indícios da existência de um grande “iceberg”, formado pela incapacidade de fiscalização e controle dos abusos praticados por predadores dos cofres do Estado, aos quais, talvez, mais interesse os maiores valores tributários a serem adquiridos com a instituição da CPMF.
Não existe solução fácil e simplista para a saúde pública, um problema crônico e complexo que exige do Poder Executivo prioridade, planejamento como política de Estado e não de governo, efetivo combate e prevenção à corrupção, e competente administração dotada de rigoroso sistema de controle e avaliação.
Ainda na perspectiva de mais saúde, com melhor nível de renda, é indispensável a luta contra as desigualdades socioeconômicas com programas que não sejam populistas, em condições condizentes com o desenvolvimento sustentável da Nação.
Em síntese, precisamos de mais verbas para a assistência à saúde pública, não obstante, a serem agregadas ao seu orçamento sem elevação de uma carga tributária, já alta e compatível com as demandas sociais do País, desde que administrada com probidade e corretas escolhas das prioridades.
O honesto, sofrido e aviltado povo brasileiro não deve ou pode ser tratado como o da antiga Roma, dos tributos, do pão e do circo.
* É presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM). Palavra do Presidente publicada na edição nº 253 do Jornal Medicina (acesse aqui).