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Escrito por Rita Francis Gonzalez y Rodrigues Branco*

 

A relação médico-paciente tem se constituído como uma seara de múltiplos aspectos. Por um lado, o bom relacionamento com o doente sempre foi uma estratégia importante na adesão ao tratamento, tendo inclusive uma ação terapêutica que leva alguns autores a determinar um efeito placebo do próprio médico. Michael Balint, médico e psicanalista húngaro, construiu uma teoria específica de relação médico–paciente cuja categoria teórica fundante é o “médico como droga”.  “Droga” do ponto de vista farmacológico é sabidamente uma substância que, uma vez no corpo humano, desenvolve uma ação boa ou maléfica. Balint ressalta que o médico pode ser um medicamento poderoso no tratamento de seu paciente mas também corre o risco de se fazer droga ruim com sérios efeitos adversos, idiossincrasias ou mesmo reações anafiláticas. Advém daí o contraponto na relação médico-paciente: hoje em dia já se sabe de situações em que o doente e/ou sua família processam o médico, não por causa de um verdadeiro erro médico, mas sobretudo por ruídos na comunicação ou falhas na relação médico-paciente de forma que, em um movimento de transferência projetiva, culpa o médico por algo que lhe ocorreu. Devido a dificuldades na construção de uma relação continente, afetiva e consequentemente terapêutica com o paciente é que há necessidade de um processo de ensino-aprendizagem nas escolas médicas voltado a estas questões. Afinal a relação médico-paciente é uma área que inclui conhecimentos, habilidades e atitudes específicas com densas bases epistemológicas.

O curso de Medicina da PUC de Goiás vem, há 10 anos, se posicionando como uma escola vanguardista em especial pelo enfoque teórico-prático na relação médico-paciente desde o primeiro dia de aula até o final da graduação. Seu projeto político-pedagógico tem como base metodológica a problematização. Além do já conhecido Problem Based Learning (PBL), o curso trabalha com a metodologia da problematização composta pelo Arco de Maguerez que tem como base epistemológica a teoria de Paulo Freire. Desta forma, os estudantes do primeiro ao último ano do curso, semanalmente, se reúnem com vários professores para problematizarem, teorizarem e definirem soluções de dispersão para situações problemas por eles vivenciadas no transcorrer do curso médico.

No primeiro bimestre deste ano de 2015 os acadêmicos do sétimo semestre letivo levantaram como problema o atendimento de um paciente idoso e deficiente auditivo. Tal caso problema fez com que, após o debate, os estudantes e os professores (incluindo a minha pessoa) partissem para o levantamento de publicações que dessem conta das possibilidades de atendimento ao deficiente auditivo em vários níveis.

Ao final do estudo sobre o referido assunto e após debate com uma fonoaudióloga que defendeu Doutorado sobre a relação com o paciente surdo, ficou claro para todos a necessidade do médico ser bilíngue, ou seja, ter formação na língua pátria (no caso, o Português) e na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Tal fato se deve ao entendimento de que LIBRAS não é um amontoado de sinais que dá conta de “traduzir” para o surdo-mudo o que se diz em português. A LIBRAS é uma outra língua com características linguísticas específicas.

Esta discussão levantou um aspecto muito mais amplo: nós médicos atendemos pessoas e, pessoas não são iguais e, por não serem iguais não existe uma “receita de bolo” para um atendimento uniforme. A cada paciente, um atendimento diferenciado, o que faz com que a comunicação e os mecanismos transferenciais possam ser adequados o bastante para que o profissional seja uma droga de efeito medicamentoso em dose plena.

   Sabendo que nos dias atuais as mídias eletrônicas estão presentes no cotidiano médico, os acadêmicos de Medicina da PUC Goiás sugerem o uso de aplicativos para celulares e smartphones bastante interessantes na tentativa de facilitar a comunicação com os pacientes surdos, tais como o Handtalk (http://handtalk.me/) e o ProDeaf (http://prodeaf.net/). Vale lembrar ainda aos interessados no assunto que existem alguns livros sobre a comunicação com pacientes deficientes auditivos que ampliam o saber médico e facilitam a relação médico-paciente.

Como médica e professora de medicina e, tendo participado ativamente das discussões com os estudantes da PUC Goiás, penso que seria importante e audacioso que os Conselhos Regionais de Medicina pudessem fornecer cursos de LIBRAS aos médicos que, por algum motivo, não tenham tido acesso a esta formação enquanto estudantes. Importante, por estar ampliando os conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias a uma boa relação médico-paciente. Audacioso, por sair na vanguarda em relação à comunicação com os doentes e sobretudo na quebra dos muros que resistem ao reconhecimento dos limites do humano.

Poder reconhecer o humano é de fato humanizar a medicina.

 

 

* É médica cardiologista e professora do Curso de Medicina da PUC Goiás.

 

    

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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