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Jairnilson Silva Paim*

O financiamento representa um componente fundamental do sistema de saúde por assegurar a instalação e a expansão de uma infraestrutura de serviços, equipamentos, ciência e tecnologia, equipes, assim como a manutenção da rede de estabelecimentos de saúde. Contribui com a mudança ou a reprodução dos modelos de atenção e das formas organizativas e de gestão. Portanto, não é só o aspecto quantitativo de mais ou menos recursos que deve pautar a análise, mas também as dimensões sociais e políticas do financiamento, suas características e a qualidade do gasto, observadas no sistema de saúde.

 Apesar do reconhecimento da relevância do financiamento, a discussão dessa questão pelos profissionais de saúde e pelos cidadãos fica comprometida diante da aparente aridez do tema e, sobretudo devido ao hermetismo cultivado por certos economistas, tributaristas e administradores que tornam as informações menos transparentes, restringindo o debate público. Esta é uma forma de concentrar poder técnico e administrativo dentro das organizações, contrariando as iniciativas de democratização do Estado e da sociedade. Daí a pertinência de tornar inteligível este componente do sistema de saúde para os que não são especialistas.

 No caso brasileiro, o financiamento tem uma parte pública, derivada dos tributos (impostos e contribuições), e outra parte privada, resultante da participação das famílias e das empresas. São destinados para a saúde pouco mais de 8,0% do Produto Interno Bruto (soma total das riquezas produzidas no ano em termos de bens e serviços). Na composição desse valor, 1,6% do PIB corresponde ao nível federal, 0,7% ao estadual e 0,8% ao municipal, ou seja, o Estado brasileiro só destina 3,1% do PIB para a saúde. Já as famílias participam com 3,84% e as empresas com 1,05%. Portanto, quem mais contribui para o financiamento são as famílias que gastam com saúde, depois o Poder Público e, por último, as empresas.

 Esta é uma das contradições mais gritantes do sistema de saúde brasileiro. O país, cuja Constituição reconhece a saúde como um direito do cidadão e dever do Estado e a legislação em vigor estabelece um sistema de saúde universal, menos da metade do gasto em saúde é público. Em todos os países que adotaram sistemas universais mais de 70% do PIB destinados à saúde é público. O Brasil chegou ao absurdo de apresentar uma participação pública da saúde no PIB menor que a dos Estados Unidos e do México que nunca optaram por sistemas públicos de saúde.

 Parte dessa contradição vincula-se às injustiças produzidas pelos impostos no Brasil. Estudos recentes divulgados para debate pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) indicam as raízes do subfinanciamento da saúde e algumas alternativas, como o Projeto de Lei de Iniciativa Popular entregue ao Congresso Nacional, com a assinatura de mais de dois milhões de eleitores, visando à alocação de pelo menos 10% das receitas correntes brutas da União para o SUS.

 Assim, a estrutura tributária iníqua no Brasil é um dos determinantes fundamentais do subfinanciamento da saúde. De acordo com a literatura especializada, devem pagar mais impostos aqueles que dispõem de maior patrimônio e renda. Nos países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tais tributos diretos representam 33% da arrecadação. Já em nosso país, os impostos sobre a renda de pessoa física e jurídica alcançam apenas 19,0% e os que incidem sobre o patrimônio somente 3,7%. Os impostos indiretos, isto é, aqueles que penalizam os consumidores, corresponderam a 49,2% em 2011. Essa carga tributária indireta alcança toda a população e atinge, relativamente, os mais pobres. E os estudos mencionados indicam que a população que recebia até dois salários mínimos destinava 53,9% da sua renda aos tributos indiretos, enquanto os que recebiam mais de 30 salários mínimos gastavam 29,0% da sua renda com impostos. Mesmo o dispositivo que permitiria taxar as grandes fortunas no Brasil jamais foi regulamentado.

 Apesar de toda a gritaria de empresários e da reverberação do “impostômetro” pela mídia, quem mais paga impostos no Brasil, proporcionalmente, são os mais pobres e justamente os mais prejudicados no acesso e qualidade dos serviços públicos, inclusive no SUS. E a desoneração fiscal para empresas, assegurada pelo governo nos últimos anos, comprometendo fontes de financiamento da Seguridade Social (PIS/PASEP, Cofins, CSLL, folha de pagamento, etc.), só faz reduzir recursos para os serviços sociais, como o financiamento do SUS. Do mesmo modo, a Desvinculação das Receitas da União (DRU) permite que o governo retire 20% do orçamento de cada ministério para outros fins. Só em 2012 a DRU sequestrou a quantia de R$ 52,6 bilhões da Seguridade Social, acumulando para o período 2005-2012 uma apropriação indevida de mais de R$ 286 bilhões.

 E para onde vão esses recursos retirados dos serviços sociais? Essa soma fabulosa de recursos é apropriada pelos bancos e segmentos rentistas da sociedade brasileira, sob a forma de pagamento de juros e amortizações da dívida pública, alimentando o capital financeiro. Quase a metade do orçamento da União tem sido utilizada, anualmente, para esse fim. E esta dívida que precisa ser auditada não foi contraída para melhorar a saúde e a vida do povo brasileiro, nem para construir hospitais, serviços de saúde, escolas e creches, muito menos para resolver a questão da violência, da crise urbana e dos transportes. Portanto, enfrentar a questão do financiamento da saúde no Brasil implica pensar e agir para além desse setor.

 

* É professor titular em Política de Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade da Bahia, membro do Conselho Consultivo do Cebes e ex-vice-presidente da Abrasco.

 

 
    

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