Escrito por Donizetti Dimer Giamberardino Filho*
De acordo com o conceito de Saúde defendido pela OMS (Organização Mundial de Saúde), a mesma é afetada em sua plenitude diante de qualquer forma de restrição de direito social à pessoa. Os investimentos publicitários recentes do Ministério da Saúde a respeito da discriminação racial, porém, não parecem ter por premissa essa preocupação, sendo as suas verdadeiras motivações uma questão em aberto a ser objeto de atenção não apenas da comunidade médica, mas de toda a sociedade brasileira.
A quem ou a qual propósito interessa a construção de relações de desconfiança e hostilidade entre a população e as equipes de saúde responsáveis por seu bem-estar? É preciso levar em conta que, por um lado, as relações interpessoais entre os profissionais, os pacientes e seus familiares exigem e pressupõem vínculos de segurança e solidariedade, mas que, por outro, cabe ao Estado garantir sua intermediação por meio das adequadas condições de trabalho e atendimento aos cidadãos. Uma política de comunicação fundada na motivação à desconfiança parece querer, na verdade, projetar uma nebulosa nuvem de fumaça sobre os principais problemas da saúde pública no Brasil, como o subfinanciamento e a restrição de acesso.
Para que efetivamente alcancem a população, os projetos e as políticas públicas de educação e saúde devem se pautar pela regularidade e continuidade, o que sabidamente não vem ocorrendo. As políticas de saúde, em especial, hão de respeitar e promover os eixos da promoção, prevenção e assistência. Enquanto isso, mesmo diante da carência de recursos para viabilização das políticas de saúde estabelecidas pelo governo federal, toma-se a decisão política de alocar recursos para a promoção de peças publicitárias que sequer apresentam base estatística para justificar sua veiculação. Não obstante seja evidente a existência de racismo no Brasil, em sentido amplo e historicamente complexo, não há dados ou evidências que permitam se apontar, como realizado, a existência de discriminação racial praticada pelas equipes de saúde no atendimento à população. É estarrecedor, nesse sentido, que a peça veiculada faça alusão à patologia ‘anemia falciforme’, que tem incidência comprovadamente superior em pessoas da etnia negra, como fosse um indicador de racismo no sistema de saúde pública.
A discriminação racial é inadmissível em qualquer hipótese, inclusive no sistema de saúde pública, e esta questão não parece estar em discussão por parte de ninguém. Todos têm a garantia constitucional do direito à saúde, inclusive aqueles que, eventualmente, tenham sido condenados ou investigados pela Justiça, e devem ser atendidos com dignidade, equidade e com utilização de todos os recursos disponíveis. A questão também não é essa.
O problema parece residir em se reconhecer que o direito à saúde não será jamais protegido e efetivado sem respeito àqueles que lutam por ele a cada minuto de cada dia. O Brasil precisa do trabalho de pessoas que desejam uma sociedade mais justa e com menor desigualdade social, e isso inclui os trabalhadores que compõem o sistema de saúde pública, que não têm culpa pela herança de escravidão, desigualdade, analfabetismo e corrupção de um País que, após pouco mais de cinco séculos, ainda busca seu rumo como Nação.
* É conselheiro representante do Paraná no Conselho Federal de Medicina (CFM). Artigo publicado no jornal paranaense Gazeta do Povo, em 09/01/2015.
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