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Escrito por Gilberto Monteiro Mazot*

 

A MP (Medida Provisória) 621, esta da “Saúde para Você” é o dos maiores escândalos legislativos dos últimos tempos. Eu classificaria mesmo de “estelionato jurídico-eleitoral”. Isso porque induz a determinado conceito logo depois determina algo oposto. É “a lei do diz e diz-diz”.

Aos fatos, ao criar dois anos a mais para a formação do médico e obrigar que, nestes dois anos, o recém-formado atenda ao SUS, este texto legal basicamente divide em dois tipos a medicina no Brasil.

A medicina para o povo (a dos médicos iniciantes e imigrantes): jovens estudantes brasileiros, recém-formados (mas não formados – é contraditório mesmo!); que, juntamente com médicos estrangeiros, “sem qualquer exigência adicional”, preencherão grande parte das vagas para médicos no SUS; e a medicina dos experientes ou mais experientes, que já passaram pelo “suplício” do biênio (7º e 8° anos); e estão “livres” para exercer a medicina para quem puder pagar. É isso que se apresenta ao país no lugar de uma carreira de estado para os profissionais médicos.

O custo da formação

A lei afirma que (art. 5º, § 2º), que “o segundo ciclo de formação é considerado componente curricular obrigatório do curso de graduação em medicina e será inscrito no histórico escolar do estudante”. E que (§ 3º) “o diploma de médico somente será conferido ao estudante de medicina aprovado no segundo ciclo de formação”.

Pois bem, pergunta-se, neste segundo ciclo de formação, em que se tem alguém com “permissão para exercer a medicina”, mas que ainda não é médico (um médico jabuticaba!), vinculado à instituição de ensino, o estudante estará pagando a universidade privada? E, por conseguinte, o governo vai financiar mais dois anos às universidades privadas para alunos bolsistas do PROUNI? Quem estará ganhando mais? Quem estará pagando mais? Por acaso, um dos objetivos deste “programa” será transferir recursos para universidades privadas por meio do PROUNI?  Ou exigir mais gastos dos estudantes regulares?

Com esta “lei” (Medida Provisória) o governo conseguiu a proeza de permitir o exercício profissional da medicina a não médicos. Como se poderá cobrar do não médico, responsabilidades, por exemplo, por um suposto “erro médico”, se médico ele não seria? 

Outro absurdo decorre do fato de que esta legislação tem como um dos nortes a “importação de médicos estrangeiros” (leia-se: “cubanização da medicina do SUS”), sem qualquer exigência, além de diploma, habilitação para exercício da medicina no seu país, e “possuir conhecimentos de língua portuguesa”.

Note-se, que nem mesmo tradução juramentada de documentos é exigida, bastando “legalização consular gratuita”, o que, salvo melhor juízo, pode dar margem a fraudes, inclusive.

Restou claro que ao estrangeiro foi dispensado “revalidação” de diploma.

Mais que isso, a Medida Provisória 621 cria o médico estrangeiro com registro provisório, que não tem direito a eleger seus representantes médicos no CFM. Um cidadão de segunda categoria, portanto, em flagrante oposição ao artigo 5º, caput, da Constituição (princípio da igualdade).

Aliás, esta é a “lei” do “temporário”, “provisório”, “poderá”, “poderão”, que aparecem 17 vezes no texto.

Note-se que nenhum direito de ordem trabalhista ou estatutário está assegurado aos “profissionais da medicina” brasileiros (não médicos) e aos médicos estrangeiros que atenderão ao Sistema Único de Saúde, o que, a toda evidência, menoscaba o ser humano e precariza o atendimento por ele prestado, visto que passa a ser um cidadão de segunda categoria. Logo, seu atendido será também um cidadão de segunda categoria.  

Estelionato jurídico, porque a lei contém “pegadinhas”, como no art. 7º, § 2º, em que no inciso I (médico participante) se inclui o médico intercambista, do qual não se exige revalidação de diploma (que, no entanto, é citada no inciso, 3ª parte, induzindo em erro o intérprete, pois parece uma suposta exigência). Significa que o será amplamente facilitada sem qualquer exigência, a importação do médico estrangeiro.

Estelionato eleitoral, porque vende a solução, mas traz – na verdade – mais confusões, problemas, discussões, insatisfações, dúvidas, dispêndios de dinheiro público – sem uma aparente organização da prestação de saúde, que é o que interessa ao povo – cujos resultados para a população somente seriam “experimentados”, em oito anos.

Mais grave é, salvo melhor juízo, em relação aos estrangeiros esta medida provisória se aplica imediatamente. Logo, qualquer sujeito com um “canudinho” embaixo do braço, falando “portunhol”, que descer no galeão, sem qualquer exame (para saber se o sujeito passou numa escola de medicina, a depender apenas da legalização consular dos documentos de formação) poderia (em tese), em quinze dias, estar exercendo a “nova medicina do SUS” num dos rincões deste país.

A mensagem é clara: quem não puder, agora, que adquira um plano de saúde, pelo menos até 2021, pois estará implantada a “cubanização da medicina pública”. Salve-se quem puder. E, o último que sair que apague a luz!

 

* É advogado, com especialização em Direito Material e Processual do Trabalho.

 
    

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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