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Escrito por Desiré Carlos Callegari
 
Há cerca de 160 anos, o médico húngaro Ignaz Philipp Semmelweis descobria, após inúmeras e aprofundadas pesquisas, a importância da assepsia das mãos no controle de infecções hospitalares
 
A teoria do húngaro Ignaz Philipp Semmelweis  sobre a febre puerperal – baseada na assepsia das mãos como cuidado básico antes de procedimentos médicos –, mesmo após 160 anos de sua disseminação, continua sendo uma medida bastante atual no controle das infecções, além de ser o cuidado preventivo mais usual e eficaz para evitar contaminações.
 

Semmelweis (1818-1865) nasceu em Ofen, na Hungria, e, posteriormente, foi para Viena para completar os estudos em advocacia. Como era desejo familiar, entretanto, resolveu estudar medicina. Após sua graduação, ocorrida em 1844, assumiu o cargo de assistente na primeira Clínica Obstétrica do Allgemeine Krankenhaus (Hospital Geral de Viena).

 
A fama desta unidade era que a mortalidade por febre puerperal das pacientes superava entre três a dez vezes a de outra unidade da mesma clínica, onde as parturientes eram atendidas por parteiras. Semmelweis realizou um amplo estudo temporal sobre a mortalidade das puérperas desde a fundação da maternidade em 1784, passando a comparar minuciosamente as duas unidades.
 
As pacientes eram distribuídas entre as clínicas de acordo com a data de admissão, pertenciam às mesmas camadas sociais e estavam em condições ambientais semelhantes (ou até piores na segunda clínica, em que havia maior aglomeração). Para a formulação de hipóteses sobre a cadeia epidemiológica, Semmelweis fez um levantamento bibliográfico sobre o tema e avaliou criticamente as teorias e propostas anteriores, buscando um maior entendimento do problema. Na época, a teoria preponderante para explicar as doenças epidêmicas relacionavam-nas a fatores externos. Por sua vez, as doenças endêmicas eram atribuídas a causas cuja atuação se limitava a uma localização específica.
 
Considerando-se uma doença epidêmica, as possibilidades de controle ficavam bastante limitadas, pois não se podiam alterar as condições externas. Portanto, esta teoria havia limitado o descobrimento da verdadeira causa e o controle da febre puerperal. Semmelweis acreditava que o maior número de casos na primeira clínica se devia a uma causa endêmica ainda desconhecida, presente apenas nesta unidade, e que uma vez identificada, poderia ser controlada. Então, logo descartou outras hipóteses correntes sobre a gênese da febre puerperal, pois não poderiam justificar a diferença observada entre as unidades, já que deveriam ser igualmente nocivas em ambas as clínicas.
 
Comissões foram criadas para tentar resolver o problema, mas partindo de premissas científicas equivocadas, concluíam seus estudos com insucesso. Foram aventadas teorias, como a do medo da morte ao observar casos ao lado. Ou, então, ao pudor feminino decorrente da paciente ser examinada por um homem, que desencadearia este quadro predominantemente na primeira unidade.
 
Mas, como explicar a maior incidência também nos recém-nascidos, que seguramente não teriam esta percepção? Uma das comissões concluiu que a causa da morte era uma lesão decorrente do toque vaginal realizado pelos estudantes, em particular estrangeiros. E, como medida de controle, foi proposta a redução do número de estagiários, aceitando-se somente os da região. Como as outras teorias, esta também acabou sendo refutada, porque inicialmente diminuíram o número de infecções, embora algum tempo depois voltassem a aumentar.
 
A morte de um amigo e colega de Semmelweis, que durante uma autópsia foi ferido no braço pelo bisturi de um estudante – a descrição das lesões encontradas no laudo do exame era semelhante à das parturientes –, fez com que concluísse: “se os dados das autópsias eram idênticos, não seriam as causas também comuns?”. Seu colega morrera de uma lesão na qual o bisturi introduzira partículas de decomposição de matéria cadavérica. Os médicos e seus discípulos não poderiam com suas mãos trazer as mesmas partículas ao regaço das pacientes, rasgado pelo parto?
 
Confirmando a hipótese
 
Estariam explicadas as diferenças de mortalidade. Na segunda unidade só trabalhavam as parteiras, que antes de examinar as pacientes não dissecavam cadáveres. Além do mais, as gestantes de parto prolongado sujeitavam-se a mais exames, logo o colo do útero delas era mais sensível à virulência da putrefação. As pacientes de partos prematuros ou domiciliares quase não sofriam o toque vaginal, portanto, ficavam protegidas do contágio com as partículas cadavéricas. A maior mortalidade dos recém-nascidos poderia ser explicada por sua contaminação intrauterina, pelo sangue materno contendo partículas cadavéricas inoculadas durante os exames ginecológicos.
 
A análise histórica da taxa de mortalidade também confirmava esta hipótese, pois se observou concomitância de sua elevação com o início das autópsias. E mesmo o aumento ocorrido em 1847 poderia ser explicado pelo próprio empenho de Semmelweis ao realizar autópsia e examinar pacientes. A redução da mortalidade conseguida durante o período de afastamento dos estudantes estrangeiros foi justificada pelo fato de eles normalmente frequentarem vários serviços durante seu estágio e, consequentemente, assistirem mais autópsias.
 
Medidas de controle da assepsia provocaram resistência entre alunos e enfermeiras
 
Uma vez formulada a hipótese, Semmelweis iniciou a elaboração de medidas de controle e a monitorização posterior da sua eficácia. Suas propostas centraram-se em três frentes: isolamento dos casos, lavagem das mãos e fervura do instrumental e utensílios.
 
A medida de maior impacto foi a de afixar na porta da unidade o seguinte cartaz: “A partir de hoje, 15 de maio de 1847, todo estudante ou médico é obrigado, antes de entrar nas salas da clínica obstétrica, a lavar as mãos com uma solução de ácido clórico, na bacia colocada na entrada. Esta disposição vigorará para todos, sem exceção”. Assim sendo, foram colocados sabão, escovas e ácido clórico para a assepsia das mãos dos médicos. A mortalidade, que chegou aos 18,27% em abril, caiu, a partir de junho daquele ano, para a média de 3,04%.
 
Resistência às medidas
 
Entusiasmado com os resultados obtidos, Semmelweis comunicou seu trabalho ao médico Ferdinand Von Hebra (1816-1880), fundador da escola dermatológica de Viena, que divulgou o artigo na revista da Associação Médica de Viena, cujo médico primaz afirmou: “A significação desta descoberta, mormente para os estabelecimentos hospitalares e, em particular, para as salas cirúrgicas, é tão incomensurável, que a torna digna da máxima atenção de todos os homens de ciência”.
 
Suas medidas de controle, cada vez mais severas, provocaram uma onda de resistência de seus alunos e das enfermeiras. A despeito de seus resultados favoráveis, sua adesão à causa nacionalista húngara contra o domínio imperial austríaco, na rebelião de 1848, valeram a não renovação de seu contrato, desencadeando sua demissão em 20 de março de 1849. Com isso, houve o enfraquecimento político da ala progressista que o apoiava na universidade e o banimento de sua teoria sobre a febre puerperal. Porém, um surto dessa doença, no Hospital São Roque de Budapeste, reacendeu sua antiga paixão e ele, surpreendentemente, foi indicado como diretor honorário da instituição, em 20 de maio de 1851. Mesmo sem receber salários, retomou sua luta no hospital, reduzindo a mortalidade para menos de 1%.
 
A defesa de seus pontos de vista não teve os resultados esperados, e os expoentes da medicina à época passaram a criticá-lo pelo seu descomedimento, duvidando de sua sanidade mental. Em 1864, Semmelweis até abandonou uma aula devido a uma crise de choro convulsivo. Sua sanidade ia se perdendo. Começou a acreditar que era vítima de um complô e que queriam matar sua família. Atendendo ao apelo de sua mulher, Von Hebra internou-o em um manicômio, onde, no dia 14 de agosto de 1865, faleceu de septicemia, vítima de um ferimento no dedo, durante uma de suas últimas autópsias. De modo irônico, acabou morrendo de uma doença contra a qual lutou.
 
 
Desiré Carlos Callegari é conselheiro 1º secretário do CFM, ex-presidente e conselheiro do Cremesp, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo e professor assistente da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina do ABC.


* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).




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