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Escrito por Murillo de Oliveira Villela,presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Medicina Aeroespacial

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


 * Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60.


Desde seus primórdios, a medicina teve como escopo primordial o retorno do organismo humano em seu habitat à sua fisiologia alterada por condições várias. Com o advento do avião, a medicina passou a enfrentar um novo desafio: a saída do homem do meio para o qual foi criado e em que vive e a manutenção de suas condições de higidez apesar das inúmeras circunstâncias adversas a vencer; ou seja, a medicina convencional e suas especializações lidam com anormalidades da fisiologia humana em ambiente normal e a medicina aeroespacial procura manter a fisiologia humana em ambiente anormal

 O organismo humano é a maquina mais silenciosa e perfeita que existe não sendo superado pelas mais avançadas maquinas criadas pelo homem, que, na impossibilidade de ultrapassá-la, se limita a reproduzi-la nos moldes criados por Deus. Apesar de sua perfeição, a máquina humana deve funcionar dentro de parâmetros que não os encontrados a bordo de aeronaves e, como toda máquina, precisa “combustível” para funcionar, “o combustível” da máquina humana é o oxigênio!

A pressão parcial de oxigênio, que depende da pressão atmosférica, é fundamental para que se possam processar trocas gasosas ao nível dos alvéolos pulmonares, o oxigênio possa se combinar com a hemoglobina e ser transportado aos tecidos (oxihemoglobina), e para que o CO2 (carboxihemoglobina) possa ser retirado dos tecidos e eliminado do organismo.

 À pressão de 380 mm de Hg (18.000 pés), a pressão parcial do oxigênio não é suficiente para manter as trocas respiratórias, e a 34.000 pés a pressão será cerca de ¼ daquela encontrada ao nível do mar.

 A cabine de aeronaves, para que voos sejam possíveis ( normalmente os voos se desenvolvem, nas altitudes de cruzeiro, acima de 30.000pés) sofre uma pressurização, fazendo com que o ambiente interno de uma aeronave em voo permaneça  com pressão correspondente à altitude entre 6.000 e 8.000 pés. Nessa condição, o nível de oxigênio fornecido ao organismo, pelo ar inspirado, não é o ideal para a adequada manutenção do funcionamento do cérebro e há uma hipoxia relativa, com conseqüências orgânicas, como menor velocidade de pensamento e reflexos, sonolência, desanimo e distúrbios visuais, que têm sua intensidade variando em face de fatores individuais.

 Além desse tipo de hipoxia, outros como os por deficiência de glóbulos vermelhos por hemorragias, pós-operatórios, períodos menstruais, anemia, ( hipoxia hipoxemica) ou substâncias tóxicas, como álcool, medicamentos, gases e vapores tóxicos (hipoxia histotóxica) podem – em ambiente como o da cabine do avião, em que a pressão é menor do que a atmosféricacondicionar problemas oriundos da insuficiência de oxigênio tissular, o que ajuda a compreender porque a bordo o estado de hemi-embriaguês surge mais rapidamente (hipoxia relativa+ intoxicação).

 A partir de quatro horas de permanência, a uma altitude de cabine correspondente a 8.000 pés, já se tem morosidade intelectual, diminuição dos reflexos, lassidão e inicio de alterações da capacidade de julgamento.

 As pessoas que se sentem atemorizadas ou excitadas por estarem voando (ptesiofobia) e algumas que, sabendo que a quantidade de oxigênio na cabine é menor, tentam aumentá-la elevando a frequência respiratória, podem entrar em hiperventilação, o que se torna perigoso. Isto porque, ao aumentar a frequência respiratória, sendo baixa a pressão parcial do oxigênio, passarão a promover excessiva eliminação de Dióxido de Carbono – que controla o ritmo respiratório por mecanismo neuro-quimico – podendo surgir tonturas, escotomas e dormência das extremidades e, pela continuidade, quadros mais graves.

 Alterações da temperatura (a cada 2.000 pés de elevação da altitude, a temperatura cai 2ºC, e a 30.000 pés, a temperatura externa é de menos 50ºC) e o baixo teor higroscópico do ar no interior das cabines (a umidade do ar diminui cerca de 6% para cada 1.000 pés de aumento da altitude e estando o interior da cabine em nível correspondente a altitude entre 6 e 8.000 pés, a umidade sofre um decréscimo de 30 a 40%, e ainda sofre novas reduções em consequência do processo de pressurização), em não havendo o mecanismo de pressurização tornariam inexeqüíveis os voos. Este mecanismo que envolve expulsão parcial do ar da cabine, sua substituição por ar aspirado do exterior com sua compressão e aquecimento antes de ser injetado na cabine, além de tornar possíveis os vôos, ainda diminui, nas viagens aéreas, em cerca de 80% a possibilidade de contaminação por doenças em que o ar participa.

 No Brasil, pouca gente, mesmo profissionais da área médica, quando se fala em viagem aérea, se recorda dos princípios e leis da física que regem os gases, como a de Boyle-Mariotte- (a uma temperatura constante, o volume de um gás é inversamente proporcional à pressão que suporta) e sua importância sobre a expansibilidade dos gases, relacionando-a com os efeitos da altitude sobre os órgãos cavitários do organismo.

 Lembremo-nos, também, que a pressão total de uma mistura gasosa é igual à soma das pressões parciais dos gases componentes.

 O conjunto das alterações sofridas por um organismo, em seu todo ou em partes, na passagem de um meio de determinada pressão para outro de maior ou menor pressão (disbarismo), são sobejamente conhecidas por todos os médicos, mas o exercício diário da profissão nos faz esquecer algumas coisas, que mesmo incorporadas ao nosso conhecimento, deixam de ser consideradas em grande parte de nossos atos. Estas alterações podem ser divididas em alterações de gases encarcerados e evolados.

 No interior de nosso organismo existem gases em nossas cavidades digestivas e naquelas em contato com o meio exterior por intermédio de orifícios como fossas nasais e boca. Também encontramos gases como nitrogênio, dissolvidos nos líquidos orgânicos como o sangue e nos tecidos.

 O gás contido em várias cavidades do corpo expande-se devido à diminuição da pressão atmosférica no interior da cabine das aeronaves (aerodilatação); lembraremos alguns aspectos relacionados a esse fenômeno:

a) pequenas cavidades ocas existentes por trás das membranas timpânicas estão cheias de ar com a mesma pressão do meio ambiente e se conectam com a faringe pelas trompas de Eustáquio, sendo este o único caminho para entrada e saída de ar na orelha média sem que haja ruptura das membranas timpânicas.

 Quando a aeronave inicia sua ascensão, ouvem-se estalidos que se repetem com certa frequência e cadência, indicativos de processo de equalização entre as pressões do meio ambiente e o organismo e, por conseguinte, da orelha externa com a orelha média.

 Durante a ascenção o interior da cabine é submetido à pressão inferior a do nível do solo e surge um abaulamento da membrana timpânica, que é empurrada, de dentro para fora, pela maior pressão do ar da orelha média. Visando evitar a ruptura do tímpano, a trompa de Eustaquio se abre automaticamente permitindo passagem para o faringe do ar expandido, o que promove a equalização entre as pressões interna e externa. Os estalidos são originados pela volta da membrana timpânica à sua posição anterior.

 Durante o processo de descenso para a aterrissagem, a pressão dentro da cabine vai aumentar e a pressão externa “empurra” a membrana timpânica para dentro visando restabelecer o equilíbrio entre as pressões. Esta equalização, ao contrário da ascensão, não é automática, pois a abertura faringiana das trompas de Eustáquio atua como válvula permitindo a saída de ar, mas resiste à sua entrada. Para abrir a válvula, deve-se deglutir ou bocejar, seguidamente, algumas vezes. Ocasionalmente, faz-se necessário, com a boca fechada, tapar as narinas e forçar a movimentação do ar contra o obstáculo da temporária obstrução nasal, para obrigar a abertura das válvulas e permitir o acesso do ar. Este procedimento, denominado “Manobra de Valsava” é bem conhecido por médicos que se dedicam a Medicina Aeroespacial e aeronavegantes.

 b) Câmbios de pressão a bordo, na subida ou descida podem condicionar problemas nos seios frontais, maxilares e etmoidais. Normalmente, o ar entra e sai destas cavidades, pelo nariz, com o qual se conectam, e o bloqueio de suas aberturas em resfriados, sinusites e mesmo em problemas de ordem alérgica (exemplo febre do feno) pode produzir fortes dores durante decolagens e, mais frequentemente, nas aterrissagens. Até a possibilidade (rara) de uma meningite deve ser considerada.

 Pessoas com esses quadros de resfriados intensos, gripes e sinusites devem ser desaconselhadas a fazer viagens aéreas, em seu decurso!

 c) Tratamentos dentários como, por exemplo, os de canal também podem originar problemas durante voos, em consequência da expansão do ar acompanhada de fortes dores;

 d) A expansão dos gases contidos no organismo humano com a  altitude de cabine a nível de voo de cruzeiro (entre 6 e 8.000 pés), faz com que o seu volume dobre e, por exemplo, nas vísceras ocas passe de um para dois litros, o que leva a dilatações com meteorismo, desconforto abdominal e, pelo prejuízo da excursão diafragmática, à dispnéia. Esses gases tendem a ser expelidos do interior do tubo digestivo compulsoriamente (flatos e eructações) visando diminuir a sensação desagradável e, não fora pela renovação do ar que se processa mecânica e automaticamente, o ambiente a bordo, após algumas horas de voo seria irrespirável!

 Essa situação pode ser evitada ou, ao menos, minimizada pela ingestão de alimentos menos fermentescíveis, não ingestão de bebidas gasosas e uso de medicamentos que acelerem o peristaltismo, antes do voo ou durante o mesmo.

 Qualquer cirurgia, pela introdução de ar via incisão, deve ser levada em conta pelo médico (localização, tamanho da incisão e duração) ao ser inquirido por seus pacientes sobre possibilidade de voar, pois a total reabsorção pode levar até 30 dias.

 EVITA O ACIDENTE QUEM PENSA QUE ELE PODE ACONTECER E UMA DESCOMPRESSÃO BRUSCA É HIPOTESE A SER CONSIDERADA.

 Cirurgias com abertura das cavidades abdominal, torácica e craniana são as mais preocupantes, mas a introdução de ar sob a pele em cirurgias plásticas não pode ser desconsiderada, uma vez que todos os voos são realizados em condições hipobáricas e a aerodilatação poderá ter efeitos deletérios sobre a estética final!

 e)- Cinetose ou mal do movimento, que se caracteriza por vômitos, palidez, sudorese fria e prostração (reação fisiológica normal a uma situação anormal como o voo), poderá ser encontrada por um médico ao responder ao apelo “existe algum médico a bordo?

 Lei de Henry:- “a solubilidade de um gás em um líquido a uma determinada temperatura é proporcional à pressão parcial do gás em contato com a solução” – explica os fenômenos de gases evolados como, por exemplo, formação de bolhas ao abrir uma garrafa de refrigerante e os sintomas como: a-) “ITCH”- que são simples pruridos cutâneos e sensação de calor ou frio; b-) “ BENDS”- dores articulares e musculares, às vezes brandas mas, vez por outra, intensas e profundas, incômodas e cansativas (mais comuns em indivíduos obesos, por ser o tecido adiposo, mais rico em nitrogênio); ele é capaz de absorver 5 a 6 vezes mais nitrogênio que o sangue. Geralmente, ocorrem nas grandes articulações como joelhos, ombros e tornozelos, mas as pequenas articulações das mãos e dos pulsos também costumam ser afetadas;  c-) “CHOKES”, repercussões sobre o sistema cárdio-respiratório que podem levar até mesmo à morte ou estabelecimento de sequelas e cujos sintomas são sensação de queimação ou dor lancinante, tipo facada, no peito com tosse e dispnéia.

Os “ITCH” são incômodos, mas não perigosos; os “BENDS” (os mais frequentes dos três) dificultam, pela dor, a movimentação do passageiro. A literatura cita casos de passageiros que apresentaram queimaduras por terem sido “tratados”de “BENDS” e lombalgias, com gelo seco,  Os “BENDS”  podem ocorrer em locais de traumatismos recentes, ao passo que locais de lesões antigas não são alvos frequentes; ”. Os “CHOKES” podem resultar em colapso e sua ocorrência leva o comandante a ter que efetuar uma imediata  diminuição da altitude.

 Estes sintomas dos gases evolados têm como origem a formação de bolhas e consequentes embolias gasosas pelo desprendimento de nitrogênio dissolvido em líquidos e nos tecidos. Ressalvamos que um intervalo mínimo de 24 horas deve ser observado entre mergulhos profundos  (pesca submarina) e viagens aéreas.

 É OPORTUNO LEMBRAR QUE,QUANDO DE PRURIDOS E DORES ARTICULARES, EXERCICIOS E MASSAGENS TENDEM A PIORAR O QUADRO CLÍNICO.

.        JET-LAG OU DESSINCRONOSE

Ritmo circadiano (do latim “Circa Die” = Cerca de um dia). Tem duração aproximada de 25 horas.

 O organismo humano tem um ritmo próprio baseado em marcadores fisiológicos estabelecidos pela natureza, dos quais o mais facilmente reconhecível é a relação “claro-escuro”, que o dota de um relógio biológico que não só o condiciona para certas sensações, como sono, fome disposição para o trabalho, etc., mas também determina surgimento e alternância das mesmas. Este ritmo biológico influi sobre secreções hormonais, temperatura corporal, valores de pulso e pressão arterial, aparecimento de doenças, produção e atividades de enzimas e sucos digestivos, relação entre nascimentos e óbitos com períodos do dia e da noite, e etc. Pensa-se que esta sincronização tenha o objetivo de ordenamento e sequenciamento de fenômenos metabólicos e fisiológicos.

 O ritmo circadiano sofre oscilações que dependem de estímulos provenientes do meio ambiente e desencadeadas pelo próprio organismo.

 A luz vai de um meridiano a outro, durante a rotação da terra, em quatro minutos, e o tempo geográfico na Terra é 01 hora para 15 meridianos, havendo então 24 zonas de tempo.

 A transposição de fusos horários leva o organismo humano a se ressentir com alterações de várias características do individuo e como regra geral:- a) “para cada fuso horário transposto é necessário um dia para reintegração das condições anteriores”;

 b) os voos no eixo leste-oeste são muito mais agressivos ao organismo humano que os realizados no eixo norte-sul

 c) os voos realizados para o leste, nos quais o dia do viajante é aumentado (como para  Europa e Ásia) são piores que os para o oeste (como para Chile e Estados Unidos) os quais, por reduzir as horas do dia do viajante,  permitem mais fácil adaptação;

 d) Ao desembarcar,o organismo mantém seu relógio biológico e suas necessidades básicas (sono, fome,etc.) atém-se ao ritmo habitual.

 Nas viagens de longa duração (Japão, China Austrália, Nova Zelândia e etc.), o ideal é um bom descanso após a viagem o que contribui para que o organismo assimile mais rapidamente os efeitos da transposição de grande número de fusos horários;  nas viagens em que a permanência não será muito grande (1 a 3 dias) recomenda-se, dentro do possível, obedecer imediatamente o horário local e nas de longa permanência (bolsas de estudo, residências e intercâmbios) a adaptação deve ser progressiva.

 As alterações do ritmo biológico (circadiano) consequentes à transposição de fusos horários costumam ser acompanhadas em maior ou menor grau, dependendo de fatores individuais e das condições em que se realizou o voo, por manifestações orgânicas como: cansaço, tonturas, indisposição digestiva, alterações de apetite e do funcionamento intestinal, dificuldade respiratória, pânico, estresse, alterações de sono e do humor, perdas fugazes de consciência, surdez temporária (até ruptura timpânica), dores musculares, ressecamento de mucosas e pele, retenção urinária, oliguria, alterações de resistência física, edemas de pés e pernas, habitualmente passageiras e sem maiores consequências, que podem surgir intra ou  pós voo, como revelam as estatísticas. A suscetibilidade de cada organismo condiciona a intensidade e aparecimento, ou não, das mesmas.

 Mais grave é a chamada “Síndrome da classe econômica”, de maior frequência entre os passageiros dessa classe do que entre os da “Business” ou “First Class”, atribuído ao menor espaço entre as poltronas nesse tipo de acomodação. Esse menor espaço dificultaria os movimentos do usuário que deve permanecer por longas horas sentado, praticamente sem deambular e sem a ação dos músculos da panturrilha (“vis a tergo”),que auxiliam a circulação de retorno.

 Essa síndrome desencadeada por possíveis trombos que se originariam como consequência da estase venosa decorrente de longa permanência em imobilidade relativa, mais frequente em pacientes idosos, obesos, tímidos e ocupantes dos assentos centrais e de janelas (receio de incomodar os vizinhos), costuma aparecer nos primeiros dias de pós-voo, mas tem sido descrito ainda a bordo ou até após 30 dias, sendo os eventos mais comuns alterações vasculares, enfartes e embolias.

 Estudos recentes, comparando a incidência do aparecimento desses casos de trombose pós viagens de longa duração, aéreas e não aéreas, descriminalizam o meio hipobárico relegando a culpabilidade à imobilidade e recomendam exercícios como fletir e estender os pés  contraindo os músculos da panturilha com finalidade profilática.

 Toda entidade nosológica e suas características patognomônicas podem sofrer influências do pré-voo e do intra voo e podem repercutir no pós voo, variando individualmente quanto à intensidade e  tipo de repercussão.

O pré-voo com seus preparativos, como arrumação de malas, locomoção para o aeroporto, check-in, estadia no aeroporto, transporte de bagagens pesadas nos corredores (às vezes muito compridos), lanches ingeridos e acompanhados por bebidas gasosas (refrigerantes e cervejas) ou bebidas alcoólicas, e a emoção da despedida podem desencadear distensões musculares, lombalgias, intoxicações intestinais, aumento do volume de gases no tubo digestivo com consequente aerodilatação além de estresse.

 O intra-voo pelas características do ambiente de cabine (altitude, baixo teor higroscópico, temperatura, ruídos e vibrações, imobilidade relativa), além de dificuldade para dormir, desconforto postural, transposição de fusos horários, tipo de alimentação, preocupação com horários para uso de medicamentos, medo de voar (ptesiofobia) e etc, também podem influir sobre quadro clinico pré-existente ou desencadear algum.

 O pós-voo pela influência no ritmo biológico pode condicionar dificuldade de adaptação imediata a novos horários, a ingestões e aplicações medicamentosas, alterações de hábitos e ambiente, horário e tipo de refeições, conciliação de sono e ao surgimento e  evolução de doenças.

 Alguns aspectos de uma viagem aérea nem sempre são considerados por nós como passageiros ou como conselheiros de nossos pacientes.

Lembrarei algumas recomendações que poderão auxiliar seus pacientes a viajar com maior tranqüilidade sem exposição a ocorrências desagradáveis:

1º- antes do voo, é prudente evitar bebidas gaseificadas e mascar chiclete pois isso condiciona deglutição de grande quantidade de ar;

2º- alimentar-se bem sem exageros, lembrando que feijão, repolho, pepino, brócolis e couve-flor são fermentescíveis e aumentam a quantidade de gases no interior do tubo digestivo;

3º- evitar bebidas alcoólicas antes de voar, pois o álcool diminui a capacidade das células cerebrais em utilizar o oxigênio que lhes é fornecido, o qual, a bordo está diminuído;

4º- cada duas horas de voo ingerir um copo de água ou mesmo suco de laranja. Atualmente, as companhias aéreas, graças à existência em seus departamentos médicos com conhecimento de Medicina Aeroespacial, já disponibilizam garrafas de água para os passageiros, em voos de longo curso.

5º- consideramos ideais os voos diurnos, pois a viagem se inicia após uma noite de sono e não depois de um dia em que  cansamos nosso corpo e nossa mente. Os voos diurnos ainda nos permitem, em chegando ao local de destino, tomar um banho e ingerir uma refeição leve que permitiráa um repouso ao nosso aparelho digestivo, após as comidas e bebidas de bordo, dormir para refazer as energias e contornar a ansiedade produzida pelo voo e, no dia seguinte, iniciar nossos congressos, negócios ou lazer descansados, ao contrário de iniciarmos os programas em continuação a uma etapa cansativa, mal dormida, mal acomodada e ainda sobrecarregada com comidas e bebidas e ansiedade para chegar e “aproveitar o tempo”.

 A transposição de fusos horários gerou situação curiosa no “pós II Guerra-Mundial” : Os americanos criaram, após o armistício um plano de ajuda a nações como o Japão (Plano Marshall-Ponto1V), em face do que funcionários do governo e empresários se deslocavam ao Japão para entabular negociações. Os japoneses encarregados das conversações os recebiam, os hospedavam e os levavam cansados das longas viagens (ainda não havia jatos), para as “casas de gueixas” aonde comiam, tomavam sakê e se divertiam e só depois os levavam para a mesa de negociações, o que fazia com que os americanos não estivessem em suas melhores condições de raciocínio e, como conseqüência, os primeiros resultados das negociações pendessem para o lado japonês. Quando os americanos perceberam o que vinha acontecendo resolveram mudar o cenário das negociações e convidaram os japoneses para ir discutir os tratados nos EUA, os japoneses aceitaram, mas passavam cerca de quinze dias se adaptando aos horários dos Estados Unidos e iam para a mesa de negociações de igual para igual.

 A titulo de curiosidade fica uma informação: os antigos fenícios viajavam muito para realizar atividades comerciais e os entrepostos que estabeleciam em diferentes locais de suas rotas comerciais receberam a denominação de “Empórios”. Por similitude à atividade de quem viaja muito, quer a negócios quer por lazer e usando-se a palavra grega “atria” (a mesma usada em pediatria e geriatria) que significa arte de curar criou-se o termo “Emporiatria” (empório+atria) para designar Medicina do viajante, termo pouco conhecido, pouco difundido e quase não empregado.

 Como funções daqueles que se dedicariam a essa “arte” estariam:- orientar os seus clientes sobre existência de determinadas doenças loco – regionais, como febre maculosa das montanhas rochosas; encefalite letárgica japonesa; malária e etc., bem como suas características e prevenção; necessidade de vacinas e orientação sobre tipo de alimentação e seus riscos (como por exemplo, a ingestão de caldeirada nas ruas de Manaus por uma questão de higiene) e ingestão de alimentos a que não estamos habituados nos locais de destino e ainda informar sobre riscos de acidentes em viagens, como cuidados ao abrir um compartimento de mão acima de nossas cabeças, para guarda ou retirada de bagagens, tanto quanto a possibilidade de queda de objetos como de lesões de coluna e musculatura para vertebral, perigos de fraturas, entorses,distensões musculares em consequência de longos percursos em alguns aeroportos carregando ou mesmo arrastando pesadas malas e muitas outras peculiaridades de uma viagem aérea e que não são pertinentes em um artigo como esse.

 Voar não produz ataques cardíacos, não é responsável pelo surgimento de entidades nosológicas, mas:

1º)-  história pregressa do nosso paciente;

2º)- conhecimentos de Fisiologia Aeroespacial

3º)-  conhecimento do ambiente de voo

devem levar-nos a sopesar nossa resposta à pergunta que frequentemente nos é feita:

 POSSO VOAR DOUTOR?

 Levando em consideração nossos conhecimentos sobre as características  inerentes ao transporte aéreo, no tocante  ao pré-vôo ao intra-vôo e ambiente de cabine e ainda ao pós-vôo, nossa responsabilidade  como  médicos nos obriga a basea-la nesse tripé.

 UMA VIAGEM SAUDAVEL É PARA GENTE SAUDAVEL E PREPARADA PARA FAZÊ-LA!

  Murillo de Oliveira Villela é presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Medicina Aeroespacial, ex-presidente do Comitê Multidisciplinar da Associação Paulista de Medicina Aeroespacial, membro da Associação Medica Brasileira, da Associação Paulista de Medicina, Colégio Brasileiro de Cirurgia, International Academy of Air Space Medicine, membro honorário da Asociacion Mexicana de Medicina Aeroespacial; ex-presidente eleito da Sociedade Ibero-Americana de Medicina Aeroespacial e ex-membro da American Medical Space Association.



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