Escrito por Roberto Luiz d’Avila*
Recentemente, vários jornais publicaram matérias informando a decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) de trabalhar pela adoção de medidas que contribuirão para tornar mais transparente e ética a atuação da indústria farmacêutica em relação ao medico e vice-versa. Lembro que não uma, mas inúmeras vezes, fui questionado por repórteres e até por alguns colegas sobre a pertinência dessa ação. A resposta sempre veio rápida e a cada repetição fico mais seguro dos argumentos apresentados. Não se trata de posição isolada, mas a expressão do coletivo do CFM atento à defesa da ética no exercício da profissão.
Os excessos praticados por alguns setores da indústria de medicamentos e equipamentos médicos se avolumam ao longo dos anos. Para eles, como é natural, a saúde é um negócio. E por isso deve gerar lucros e evitar prejuízos. Esse entendimento alarga o fosso entre a alma do empresário e a missão do médico, para quem seu trabalho deve render honorários adequados, sem cair na armadilha da mercantilização.
Do ponto de vista de normatização do trabalho médico, já haviam sido dado alguns passos importantes com o aperfeiçoamento de regras existentes no Código de Ética Médica, que estabelece critérios para a relação do médico com a indústria e o comércio. Em fevereiro, tivemos também a aprovação da resolução CFM 1.939/10, que proíbe a distribuição, pelos profissionais, de cupons e cartões de desconto em medicamentos.
Essas e outras normas sinalizam a posição irredutível do CFM quanto aos riscos que se estabelecem na proximidade do médico com a indústria. Este relacionamento – baseado na oferta e no recebimento de vantagens e de lucros pessoais – é absolutamente desaconselhável pelo simples fato de ferir de forma mortal as normas éticas de exercício profissional. O aceitável seria a democratização dos benefícios, distribuídos coletivamente, e sempre feito de maneira absolutamente transparente. Exemplos possíveis são reduzir o valor da inscrição ou o patrocínio de bolsas de estudo (por seleção criteriosa) ou, até mesmo, a edição de livros técnicos distribuídos gratuitamente a todos os médicos.
Temos nos debruçado sobre a elaboração de um protocolo de ações que deverá ser firmado com a indústria, em breve. Trata-se de um tema denso, e por isso estamos agindo com a cautela necessária para preservar o que for justo, idôneo e correto. Nosso foco é o abuso – de um lado e de outro – que põe em suspeição a prática da Medicina e, em alguns momentos, até o bem estar e a saúde dos que atendemos em nossos consultórios. Ora, não podemos aceitar nenhuma prescrição ou indicação médica em troca de agrados ou brindes.
Alguns podem pensar que se trata de batalha quixotesca. Não importa. É preciso agir, pois cabe ao CFM estabelecer instrumentos que protejam a Medicina, os médicos e a sociedade de erros de conduta como esses. Com nosso movimento, vamos contribuir para aprofundar ainda mais as discussões sobre o tema, tornando ineficientes os subterfúgios empregados pelos departamentos de marketing dos laboratórios.
Neste processo, o médico não pode ser reduzido à condição de garoto propaganda. Nossa posição está alinhada com medidas adotadas, recentemente, por países da Europa e pelos Estados Unidos, que têm expressado preocupação semelhante com o marketing agressivo realizado por laboratórios. O mundo marcha nessa direção e no Brasil não deve ser diferente.
* É presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
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