Escrito por Clóvis Francisco Constantino*
Ainda hoje a discussão sobre erro médico deixa muitos profissionais da Medicina constrangidos e sem saber como conduzi-la. Isso poderia ser a marca apenas dos recém-formados, porém, atinge também os mais antigos. O constrangimento, a bem da verdade, é reflexo, em boa parte, de falsas polêmicas que se travam sobre o assunto. Se algo de errado ocorre com um paciente, imediatamente a culpa é atribuída ao médico. Enfim, antes de qualquer apuração caracteriza-se, aos olhos de todos, o problema como erro médico.
Ora, todos sabemos que tal atitude é exagerada, injusta. Na absoluta maioria dos casos classificados como erro médico, o profissional de Medicina não tem qualquer responsabilidade. Acontecem falhas em virtude da falta de estrutura de alguns hospitais, os equipamentos eventualmente apresentam problemas técnicos, os medicamentos certas vezes provocam reações inesperadas, cada paciente reage de forma específica a tratamentos semelhantes; enfim, os eventos adversos são comuns na assistência à saúde.
Isso não significa que o médico jamais erre. Erros são percalços inerentes à vida e a toda e qualquer profissão. Erram jornalistas, erram advogados, erram pilotos, erram médicos e assim por diante. A questão que se coloca é como encarar o erro.
Creio que isso tem de ser feito com responsabilidade. O médico que é transparente com seu paciente, que o respeita e o trata de acordo com as boas normas éticas deve assumir claramente os seus equívocos. Tal postura é salutar para a relação, é essencial para que a confiança seja preservada.
Bom, é fundamental ainda que todos saibam, pois todos, até os médicos, somos ou seremos pacientes, que, quando vamos a uma clínica, a um hospital ou a um posto de saúde não estamos lidando com deuses, com seres infalíveis. Os médicos são pessoas e assim devem ser encarados. Por outro lado, o médico deve ter essa mesma dimensão de si próprio. Ao conversar com o paciente, tem de mostrar a ele os riscos inerentes a este ou aquele procedimento. Precisa transmitir segurança, mas, simultaneamente, mostrar que a Medicina não é uma ciência exata. Se por acaso cometer alguma falha, é mister que a assuma para que se recupere a melhor conduta, pois este é o caminho das boas relações humanas.
Dias trás soube pelo noticiário que importantes instituições médicas da Escócia surpreenderam a sociedade ao pedir desculpas por erros que seus profissionais haviam cometido. Foram os próprios médicos, aliás, que tomaram essa iniciativa. A mesma reportagem trazia a informação de que o Johns Hopkins Hospital, em Baltimore, Estados Unidos, treina regularmente seus médicos para conversar com os pacientes em casos de erro.
Sem sombra de dúvida, trata-se de um relevante avanço na relação médico-paciente nestes tempos da medicina baseada nas evidências científicas. Portanto, vamos trabalhar para que essa conscientização se dissemine e chegue ao Brasil, aos nossos alunos, residentes, a todos os colegas e à sociedade. Afinal, olhar no olho do outro e falar a verdade sempre é o maior gesto de grandeza que alguém pode ter.
Com franqueza e transparência, certamente haverá menos demandas éticas e judiciais, conflitos diminuirão e médicos não precisarão se defender de pacientes e vice-e-versa.
Somos parceiros na busca de vida e da saúde.
* É vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
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