O Código de Defesa do Consumidor criou eficientes mecanismos de proteção do consumidor de produtos ou de serviços. Derrogando princípios de direito, a ”lei consumista”, porém, criou regras próprias, em favor da parte autora. Estabeleceu a inversão do ônus da prova em seu favor (art. 6º); determinou que responderá o fornecedor de serviços, independentemente da existência de culpa (art. 14); e suprimiu o direito do réu de chamar ao processo aquele que possa ser o suposto responsável, pelo dano reclamado. A ”lei consumista”, vedando a ”denunciação da lide”, indica ao réu a ação de regresso se quiser recuperar o valor de uma indenização indevidamente paga (art. 88), em explícita ofensa ao direito do réu.
Direitos garantidos na Constituição, entre eles o que assegura que ”todos são iguais perante a lei” (art. 5º), são singelamente ignorados no Código de Defesa do Consumidor. Todavia não nos cabe dissertar em seara reservada aos doutos em direito Constitucional. Aqui e agora, nosso propósito é chamar a atenção para fato grave. Surgiu no país uma indústria de indenizações fundadas na prática de ”erros médicos”. Indevidas indenizações que promovem vertiginoso aumento nos custos da saúde, porque alguém tem que pagar a conta.
Sabe-se que, em 40% das ações judiciais de indenizações fundadas no Código de Defesa do Consumidor, a ação é proposta contra o hospital onde o médico atendeu profissionalmente o reclamante. Parcela expressiva dessas ações corresponde a pedidos pleiteando pagamento de elevadas indenizações pela prática de ”erro médico”. Elas descrevem o fato e indicam o médico causador do suposto dano. O hospital é responsabilizado mesmo sabendo-se haver ele se limitado a franquear ao médico o seu espaço físico; equipamentos; enfermeiras – possibilitando ao profissional liberal prestar seus serviços aos pacientes, no exercício de sua nobre profissão. Dúvida não há de ser ele plenamente responsável pelos atos de sua nobre profissão.
E por que a ação de indenização não é proposta contra o médico, suposto causador do ”erro médico”? A resposta é simples. Como se sabe, na ”lei consumista”, a responsabilidade pessoal do médico – profissional liberal – acha-se dependente da ”apuração da culpa”. Ele é, assim, excluído de responder sob as regras impostas aos ”fornecedores de serviços”. Ações contra os médicos são reguladas pelo Código Civil, mediante ”apuração da culpa”, sob ônus da prova. Acontece que a lei consumista não oferece o mesmo tratamento ao hospital, quando réu, ignorando o fato de ser ele uma universidade de fato, formada por um conjunto de instalações, aparelhos, e instrumentos médicos e cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde, vinculada a uma pessoa jurídica, sua mantenedora, mas que não realiza ato médico?, como observado pelo ministro Ruy Rosado Aguiar. As mesmas técnicas sofisticadas existentes no exterior são dominadas pelos nossos médicos. E nossos hospitais acham-se aparelhados dos mais modernos equipamentos médico-hospitalares e podem prestar serviços iguais aos dos melhores hospitais do mundo. Àqueles que buscavam indenizações por ”erro médico” em ações responsabilizando o médico, essas ações, como se sabe, eram sempre julgadas improcedentes. Acontece que esses ”caçadores de indenizações sem causa” nunca desistem. Nesse sentido, vieram a descobrir que, se a ação fosse proposta unicamente contra o hospital onde o médico prestou seus serviços, uma larga avenida seria aberta. A ação seria processada sob o Código de Defesa do Consumidor. Nada de ser a ”culpa apurada”, como determina o Código Civil. Aplicado esse engenhoso ”estratagema”, centenas de ações passaram a empachar nossos tribunais. Todas excluindo o médico. Réu é somente o hospital.
Condenações contra os hospitais, que se sucedem por atos atribuídos aos médicos, negado o chamamento deles, têm defesa praticamente inexistente. Ao médico, prestador de assistência ao paciente, caberia exercer o direito de defesa de seu bom nome profissional, e não ao hospital, como é óbvio! Daí, a presença do profissional na relação processual torna-se indispensável!
Não temos informações capazes de enunciar aqui e agora o número dessas ações, que hoje empacham nossos Tribunais. Todavia, como simples amostragem, basta a informação prestada pela advogada e presidente da Associação das Vitimas de Erros Médicos, que afirmou estar atuando ativamente, em cerca de 600 ações, em andamento no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A questão que se põe é a seguinte: hospitais privados, chamados a responder por fato atribuído ao médico, profissional liberal, que foi o prestador do serviço, proibidos de chamá-los ao processo para responder sobre a grave acusação de prática do suposto ”erro médico”, se condenados a pagar indenizações, o que farão? As alternativas são fechar as portas ou repassar a conta dessas indenizações a seus usuários, onerando os custo da saúde – solução que não atende aos fins sociais e às exigências do bem comum. Ofereça outras quem tiver poder de decisão para fazê-lo.
* É advogado.
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