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Escrito por Gabriel Figueiredo.

A legislação brasileira com o propósito de regulamentar a assistência psiquiátrica teve início no século XIX e inspirava-se na caridade e no controle social de área externa. Esta etapa configurou-se na construção da mentalidade e dos espaços físicos dos hospícios de alienados. Em 1890, início da República, foi criada a Assistência Médica e Legal a Alienados (Amla), que propôs novos modelos de cuidados: as colônias – considerada como a primeira reforma da assistência psiquiátrica realizada no Brasil.

Até a metade do século XX, a assistência psiquiátrica brasileira acompanhou a evolução das outras políticas similares incrementadas nos países desenvolvidos. Em 1927, a Amla é substituída pela Assistência a Psicopatas, que avança ainda mais com propostas de novos modelos assistenciais.

A Assistência a Psicopatas funcionaria de 1927 até 1941, ano em que foi criado o Serviço Nacional de Doenças Mentais – que vigorou até 1956. De 1956 a 1980, várias instâncias foram criadas no nível do Ministério da Saúde. Caracterizaram-se pela dissociação entre as propostas e suas execuções.

Na prática, os hospitais psiquiátricos foram se afirmando como modelo central de uma política. Enquanto no resto do mundo desenvolvido a descoberta dos psicofármacos e os avanços dos conhecimentos no campo psicossocial serviam para diminuir o papel da importância dos hospitais como modelos centrais, no Brasil perdemos o pé e começamos a naufragar.

Aqui, entre nós, como é de conhecimento público, os hospitais se multiplicaram e foram transformados num projeto regido por leis de mercado. A legislação que norteou nossa assistência psiquiátrica vigorou de 1934 até 2001. A nova legislação, aprovada no vácuo dos movimentos sociais organizados , tende a legitimar a reversão do modelo hospitalocêntrico. Como relacionar estas questões com problemas éticos?

Solicitando a ajuda de Kant, que enfatiza a universalidade como referência em torno do Bem e do Mal, podemos recorrer Declaração de Caracas (1990) e da ONU (1991), que recomendam “(…)a revisão crítica do papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico na prestação de serviços”. A história do modelo hospitalocêntrico no Brasil ficou marcada por profunda e amarga experiência social. Não é ético perpetuar este modelo!

Contudo, a transição de um modelo para outro pode gerar períodos de vazio assistencial, ou seja, falta de condições de assistência. Esta possibilidade, que não é remota, implica em discussões que não se esgotam nos planos técnicos e políticos, mas resvalam também em questões éticas.

Deve ser ética, ainda, a discussão com setores que insistem em enfatizar as dificuldades internacionais de reformar a assistência. É evidente que devemos investigar os modelos internacionais , visto que a dialética da conexão universal nos deve conduzir à concepção de que tudo se relaciona. No entanto, desconsiderar que a realidade brasileira requer particularidades e impor fracassos ou êxitos à nossa reforma através de análises apressadas e intempestivas de outras reformas internacionais é, no mínimo, incompetência e, no máximo, falta de ética.

Por fim, é ético o debate com setores moralmente comprometidos com leis de mercado regendo a assistência psiquiátrica. O discurso destes setores tem procurado desmoralizar a reforma, apontando apenas os problemas para inviabilizá-la e não participando criticamente da construção de um novo modelo.

Queiram ou não os conservadores, o mundo contemporâneo e a psiquiatria nele inseri da não mais recomendam o hospital psiquiátrico como modelo central de política de saúde mental. A partir do avanço dos novos modelos assistenciais faz-se necessário capacitar novos recursos humanos , os quais devem ser adequadamente preparados e reciclados para neles virem a atuar. É a formação de uma geração, de uma mentalidade. Geração e mentalidade que despontam, à despeito das resistências às mudanças!

* Departamento de Neuropsiquiatria. Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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