Escrito por Carlos Alberto Petta*, Júlio César Teixeira** e Krikor Boyaciyan***
Os programas de rastreamento citológicos têm um potencial de diminuir 80% dos casos de câncer de colo uterino (CCU) por meio da detecção de lesões precursoras. No entanto, tais programas não foram efetivamente implantados na maioria dos países. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ocorrem 500.000 novos casos por ano e 270.000 óbitos relacionados ao CCU, sendo 80% deles em países pobres.
O HPV é considerado o agente causal deste câncer, e os HPV 16 e 18 estão presentes em cerca de 70% dos casos, nos cinco continentes. A prevalência da infecção por HPV é alta entre mulheres jovens em atividade sexual e estima-se que mais de 70% das mulheres terão contato com algum tipo de HPV durante a vida.
A infecção persistente por um HPV de alto risco está associada ao desenvolvimento de lesões precursoras em câncer do colo uterino. Esta persistência decorre da dificuldade do hospedeiro em se defender do HPV, pois a infecção é restrita à epiderme, sem lesão celular ou processo inflamatório, resultando em fraca estimulação do sistema imunológico, que também é inibido por proteínas produzidas pelo HPV. Desta forma, nem sempre uma infecção natural por HPV resulta em resposta imunológica ou produz memória imunológica, possibilitando reinfecções pelo mesmo tipo de HPV.
Existem duas vacinas com potencial de prevenir o CCU: uma da Merck (MSD) já aprovada, e outra da GlaxoSmith Kline (GSK) prevista para ser lançada no 2º trimestre de 2007, parecidas e direcionadas para estes dois principais vírus de alto risco (HPV 16 e 18). Estas vacinas são compostas de partículas semelhantes aos vírus, chamadas VLPs (virus like particle). As VLPs são cópias do capsídio viral, formadas pela agregação espontânea de proteínas sintetizadas em laboratório por meio de sistemas biológicos e codificadas pelo gene L1, específico de cada HPV. Estas VLPs são destituídas de DNA no seu interior e assim, não causam infecção. A vacina da MSD possui também VLPs de HPV 6 e 11, associados ao condiloma acuminado.
Para serem eficazes, elas devem ser altamente imunogênicas e resultar em níveis séricos elevados e persistentes de anticorpos neutralizantes, para que estes possam estar presentes na superfície da mucosa cervical e atuar impedindo que uma infecção por HPV se estabeleça ou torne-se persistente, evitando a ocorrência de lesões precursoras relacionadas.
Essas vacinas começaram a ser desenvolvidas no final da década de 90 e testadas por ensaios clínicos controlados de fase II a partir do ano 2000. Os resultados destes estudos foram publicados a partir de 2001 e estão sendo atualizados periodicamente.
De maneira geral, as vacinas obtiveram desempenhos semelhantes e bons. A conversão sorológica chegou perto de 100%, o nível de anticorpos séricos foi sempre maior do que aqueles causados por uma infecção natural e está sendo mantido por pelo menos cinco anos. A eficácia na prevenção de infecções persistentes relacionadas aos HPV 16 e 18 foi sempre acima de 94% e de 100%, respectivamente, na prevenção de lesões de alto grau (NIC2+). As vacinas foram bem toleradas, com poucos sintomas locais ou gerais relatados no período vacinal. Não foi descrito nenhum evento adverso grave ou problemas gestacionais ou ao concepto relacionados às vacinas.
Com estes resultados, mesmo antes de publicados dados dos estudos de fase III, o FDA (Food and Drug Administration) aprovou em julho de 2006 a utilização da vacina da MSD para meninas entre 9 e 26 anos, nos EUA, por US$ 360 (três doses). No Brasil, esta vacina foi aprovada em setembro de 2006 e aguarda regulamentação. A vacina da GSK tem parecer favorável da EMEA (European Medicines Agency) e aguarda aprovação para este ano.
Frente à iminente chegada das vacinas, existem alguns pontos importantes a discutir: a população que terá acesso a estas vacinas; a idade de vacinação; avaliação do impacto nos diagnósticos das alterações citológicas e lesões precursoras; vacinação de homens e de grupos especiais.
Sabe-se que o custo elevado de uma vacina deste tipo fará com que os grupos sob maior risco para CCU não tenham acesso ao benefício. Talvez demore alguns anos para que a vacina seja introduzida em calendários vacinais oficiais. Deverão ser vacinadas meninas antes do início da atividade sexual, ou seja, preferencialmente entre 10 e 14 anos, e será preciso um aprendizado mundial no manejo desta faixa etária, pois ela ainda não faz parte de calendários oficiais de vacinação. Outra observação é que o início da atividade sexual poderá ocorrer 5 a 10 anos após a vacinação, exigindo que a proteção através de níveis de anticorpos adequados e persistentes dure por muitos anos. A necessidade de reforços, ainda não definida, aumentaria os custos, dificultando a implantação de programas populacionais. Além disso, mesmo tendo a vacina disponível em larga escala, realidade que deve demorar muito tempo a ser alcançada, a mulher não deve deixar de realizar exames periódicos de detecção precoce.
Entre as recomendações já aprovadas está definido que estas vacinas são profiláticas, ou seja, atuam na prevenção da infecção por HPV 16 ou 18, não estando indicadas como terapia para pacientes já infectadas ou com alterações cito-histológicas. Não há a necessidade de triagem sorológica, muito dispendiosa e com tecnologia não disponível a todos, além de perder-se a oportunidade (talvez única) de vacinar mulheres prontamente. O esquema é de três doses em seis meses, por meio de injeções intramusculares. Não estão recomendadas para gestantes. Aquelas que engravidarem, completarão o esquema após o término da gestação. Podem ser utilizadas durante a amamentação.
O Brasil tem participado de fases importantes no desenvolvimento dessas duas vacinas e, com certeza, isso gerará vantagens para as meninas e mulheres brasileiras, por possíveis facilidades na aprovação e disponibilização desses medicamentos no país, como também na sua adição ao calendário vacinal oficial. É de capital importância, como assinalamos anteriormente, que a mulher continue realizando os exames periódicos de diagnóstico precoce do CCU (citologia oncológica; colposcopia).
* É professor livre docente de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Unicamp e diretor do Centro de Reprodução Humana de Campinas;
** É médico ginecologista do Departamento de Tocoginecologia da Unicamp
*** É professor mestre e doutor do Departamento de Obstetrícia da Unifesp e conselheiro diretor corregedor do Cremesp Imagem: Modelo do Human Papilloma Virus 16 produzido por Jean-Yves Sgro, do Institute for Molecular Virology, University of Wisconsin-Madison Graduate School.
* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM). * Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60. |