Escrito por Milton Steinman*
Ainda estamos chorando pelos mortos da tragédia com o avião da TAM em São Paulo. Uma enorme sensação de insegurança nos domina, especialmente no que diz respeito ao aeroporto de Congonhas e as centenas de aviões que, diariamente, passam por cima de nossas casas, prédios e cabeças.
Entretanto, outro questionamento se faz urgente no cotidiano de uma cidade que convive com violência, guerras de torcidas, homicídios, elevados índices de mortes em trânsito, seja com motocicletas ou automóveis, ônibus ou caminhões, e também com quedas de aviões. Esta indagação diz respeito à capacidade de resposta hospitalar a emergências que envolvam múltiplas vítimas.
Imagine se neste episódio houvesse 200 sobreviventes que necessitassem de atendimento hospitalar simultâneo. Quais seriam os hospitais capacitados para isto na cidade de São Paulo? Temos médicos habilitados para tal assistência? Os hospitais têm planos estruturados para situações desta natureza?
Em urgências, nas quais existe abundante número de casos graves, modificam-se os protocolos, alteram-se as rotinas, alternam-se as prioridades. Inúmeras medidas devem ser implementadas a fim de se adequar o funcionamento de uma unidade médica.
É de extrema importância, por exemplo, que um cirurgião com experiência em cirurgia de trauma participe da supervisão, da reanimação e da avaliação inicial do doente traumatizado. Ele deve orquestrar o trabalho multiprofissional para a definição de prioridades. Este é o profissional médico que tem responsabilidade total em traumas múltissistêmicos e é quem deve fazer a coordenação e orientação dos protocolos e, assim, comandar o atendimento.
Neste contexto, existe uma questão fundamental relacionada à formação do médico. Das 167 escolas médicas do país, menos de 5% têm disciplinas voltadas ao trauma. Aliás, a abertura indiscriminada de faculdades de medicina contribui para o caos. É a opção pela quantidade, e não pela qualidade. O resultado é que as vítimas não raramente chegam às mãos de profissionais recém-formados, mal valorizados, e despreparados. Trata-se de uma controvérsia, visto que é justamente neste momento que os pacientes precisam, para ampliar as chances de sobreviver e de reduzir seqüelas, de uma equipe experiente com os recursos necessários.
Em uma tragédia com tantos envolvidos, a magnitude deste problema se amplifica de forma logarítmica, aumentando ainda mais a probabilidade de mortes. Não creio que devemos aguardar o próximo desastre para discutir com profundidade a real capacidade da cidade de São Paulo quanto à sua estrutura em atendimento hospitalar.
* É diretor da Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado (SBAIT) e membro da Associação Paulista de Medicina (APM).
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