Escrito por Solimar Pinheiro
“…y encontrarás una mañana pura tu barca amarrada a otra ribera…”
Antonio Machado
Para nós, o vivo, parece-nos a vida evidente e normal, enquanto a morte algo surpreendente e inacreditável. Se nos posicionarmos no entanto do ponto de vista do universo físico, então a vida é que se torna surpreendente e inacreditável, enquanto a morte é apenas o retorno dos nossos átomos e moléculas à sua existência normal. Este raciocínio pode ser visto no início de “O método 2”, em A Vida da Vida de Edgar Morin.
O IV Simpósio Internacional sobre Coma e Morte realizou-se de 9 a 12 de março/04 no Centro de Convenções da cidade de Havana. O CFM enviou como ouvintes três dos seus conselheiros. A nossa missão era ouvir e até questionar, se fosse necessário, como está sendo realizado o diagnóstico de morte encefálica no mundo.
A nossa Resolução 1480/97, por vezes questionada, necessitava ser confrontada com os critérios utilizados no resto do mundo, apesar de ter todo o apoio da comunidade científica das neurociências em nosso país. Interessava-nos especialmente o procedimento do teste de apnéia que é realmente a parte mais difícil no diagnóstico de morte encefálica. Se algum brilho teria o Simpósio, este se desfez logo no primeiro dia, com o anúncio de que nenhum dos, aproximadamente, sessenta conferencistas norte- americanos viria. (bloqueio também nas ciências).
O que se passou, daí em diante, foi uma total reformulação do programa com a utilização da “prata da casa”, ou seja, profissionais da terra com assuntos nem sempre dentro do tema. Aliás, a diversidade dos assuntos que variou de eutanásia e suicídio até o conceito de reencarnação foi um complicador para que pudéssemos chegar ao que realmente nos interessava.
Os melhores trabalhos sobre morte encefálica vieram do Brasil, Alemanha e Espanha. Os critérios aqui adotados são utilizados em todo o mundo, com pequenas variações. A prova da apnéia, que sempre é muito discutida, foi mais uma vez revisada e confirmou-se o que já sabíamos, ou seja, que desde que se cumpram os pré-requisitos para sua realização, ela é sempre muito segura e garantia de segurança para a sociedade, o paciente e o médico.
A possibilidade de um exame complementar antes da prova da apnéia foi proposta pelo grupo do Brasil ( Andrade AF, Marino Jr. R, Santana Jr. PA, Gregório GC) e seria realizada nos casos de dúvidas no exame neurológico (Sinal de Lázaro), lesão primária estrutural do tronco cerebral e medula cervical alta, (quando ainda pode haver perfusão supra tentorial) e nos casos de protocolo incompleto de morte encefálica (trauma facial). Este assunto já foi abordado anteriormente e nada há de antiético neste procedimento, pelo contrário, aumenta a segurança na realização da prova.
A prova da atropina, que não faz parte do nosso protocolo, foi abordada durante o simpósio e se constitui em mais uma prova para aumentar a segurança no diagnóstico. Por ser teste extremamente fácil de realização e sem efeitos colaterais nada impede que seja feito, no entanto é desnecessário a sua inclusão em nossa legislação. O conselheiro federal Marco Antonio Becker apresentou no Simpósio parecer aprovado pelo CFM sobre anencefalia e transplante e apesar de tema polêmico não suscitou maiores discussões.
Aliás discussões, questionamentos e tomada de posições não foram a tônica deste Simpósio. Em resumo, podemos afirmar com segurança, que a Resolução CFM 1480/97 está firmada em pilares extremamente sólidos e que os parâmetros nelas descrito são os mesmos em todo o mundo com variações de pequena monta. Apesar disso a Resolução estará sempre aberta para modificações, já que sabemos que nada é imutável e que novos saberes poderão nos trazer contribuições e modificações.
O envio de conselheiros federais para averiguar “in loco” procedimento que envolve tema relevante e delicado como este, mostra a preocupação do Conselho Federal de Medicina, através de sua diretoria, de estar sempre atento e vigilante frente aos problemas que envolvem a sociedade e a comunidade médica. Sem diagnóstico de morte encefálica a possibilidade dos transplantes praticamente desaparece. Cada paciente transplantado é como se fosse uma nova vida, aliás é uma nova vida. Esta possibilidade está diretamente vinculada ao diagnóstico de morte encefálica.
Para terminar é bom lembrarmos sempre que embora a morte pareça ser o contrário da vida, sem a morte a vida não teria sentido.
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