Escrito por José Luiz Gomes do Amaral*
Todo mundo sabe que o Brasil tem certas particularidades que não causam inveja a qualquer outro país do mundo. Tanto são nossos problemas que enumerá-los é uma missão inglória. Na Medicina, particularmente, trabalhamos entre a cruz e a espada. Nós médicos temos como mister atender aos pacientes, proporcionar-lhes bem-estar, uma existência saudável e até salvá-los, em casos extremos. Não podemos errar, sob hipótese alguma; afinal, lidamos com o mais precioso bem da humanidade, a vida. Porém, as condições que nos impõem no dia-a-dia são absolutamente adversas e indutoras de falhas.
Nos hospitais e postos, faltam equipamentos e estrutura adequada para o bom exercício da Medicina. De forma geral, tanto na saúde pública quanto na privada, os honorários são vis, obrigando-nos a acumular empregos e a investir menos do que o desejável na educação continuada. Boa parte das faculdades médicas visa apenas o lucro e oferece formação insuficiente. Enfim, são inúmeros os fatores que transformam nosso ofício num risco constante, desde a formação universitária. Utilizei, propositalmente, o sinônimo ofício para nosso trabalho, pois, para agravar esse quadro, a profissão médica ainda não é regulamentada no Brasil. Estamos no século XXI, a Medicina tem uma história de 2500 anos, mas na Constituição Federal não constam leis que regulamentem nossos atos privativos. Trata-se de uma lacuna perigosa que expõe simultaneamente o médico e a população.
Ao não ter os atos privativos normatizados, os médicos podem ser responsabilizados por tudo, a despeito de todas as demais adversidades que enfrentam em sua rotina. Enfim, não tem parâmetro legal de defesa. Por outro lado, em terra sem lei, aventureiros podem ousar a exercer a Medicina sem estarem preparados para tanto. Os pacientes, por essas e outras, convivem com a insegurança de um sistema de saúde em que os papéis não são bem definidos, o que dificulta a cobrança dos direitos.
Quando entra num posto de saúde, por exemplo, o cidadão precisa conhecer exatamente os atos privativos e as responsabilidades daquele que o assiste. Por isso, atualmente, todas as entidades médicas lutam pela aprovação do substitutivo do projeto de lei 25/02, de autoria do senador Tião Viana, que regulamenta a profissão do médico. É uma questão de transparência, de responsabilidade e compromisso social. Na equipe multidisciplinar de saúde, temos mais de uma dezena de profissionais. Todas essas profissões, com exceção da dos médicos, já contam com um elenco de leis que define suas atribuições: Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Decreto-Lei 938/69, Lei 6316/75), Enfermagem (Lei 7498/86, Lei 5905/73), Psicologia (Decreto 53464/64, Lei 5766/71, Decreto 79822/77), Fonoaudiologia (Lei 6965/81, Decreto 87218/82), Nutrição (Lei 8234/91, Lei 6583/78), Serviço Social (Lei 8662/93), Biomedicina (Decreto 88439/83, Lei 6684/79, Lei 7017/82), Odontologia (Lei 5081/66, Lei 4324/64), Biologia (Lei 6684/79, Lei 7017/82, Decreto 8438/83), Educação Física (Lei 9696/98), Farmácia (Lei 3820/60), Medicina Veterinária (Lei 5517/78).
É fundamental que assim o seja, mesmo. Quando falamos de saúde, de bem-estar e de qualidade de vida tudo tem de ser tratado com a máxima segurança. São necessárias leis, definições rigorosas de papéis, e assim por diante. Afinal, como já frisei anteriormente, esta é uma área em que lidamos com o bem mais precioso da humanidade: a vida.
Hoje, existem opositores à regulamentação da profissão do médico. Alguns poucos gestores, administradores e homens públicos com intenções escusas buscam inserir no sistema um novo tipo de agente: o “multifunção”. Esse tal multifunção seria utilizado para baratear custos em detrimento da excelência da assistência. Enfim, certos opositores à regulamentação da profissão do médico teriam uma solução mais barata, mesmo que colocando em risco a saúde de brasileiros.
Nós médicos jamais aceitaremos que a vida dos pacientes seja tratada como negócio, que pode ser até descartado para manter balanços no azul. Exigimos a aprovação do PL 25/02, em defesa do direito do cidadão à saúde, do correto exercício da Medicina e das demais profissões da área.
Em pleno século XXI, é absurdo que os médicos sejam discriminados e impedidos de ter a profissão regulamentada. Tão absurdo quanto é ver pacientes expostos a riscos desnecessários, que só não são evitados por razões absolutamente nebulosas.
* É presidente da Associação Paulista de Medicina.
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