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Conselho Federal de Medicina

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Escrito por Rafael Dahmer Rocha*
 
Confesso que venho vivendo um momento de êxtase nestes últimos dias. Por muito tempo estive desacreditado, pensando em maneiras de poder ir embora do Brasil. Agora estou passando horas e horas mirabolando o que eu faria se tivesse a voz do povo e se fosse ouvido pela presidente.
No final de semana, entre uma conversa e outra com meu colega, ele me fez a seguinte pergunta: “O que você faria com a saúde no Brasil?” Eu pensei… pensei… pensei muito, mas no final admiti: “Não consigo pensar em nada diferente de como é o SUS, no papel”. Vou explicar. Sou médico formado há 3 anos e é com muito orgulho que posso dizer: “Minha formação foi uma das melhores do País”.
Antes que pensem, não estou recebendo nada pela propaganda. Para os críticos que dizem que médico não quer ir para o interior, fiz faculdade em uma cidade de 27 mil habitantes. Durante minha formação passei meses estagiando em várias cidades com cerca de 5 mil habitantes e sempre demonstrei um desejo enorme de voltar para aquela região (atualmente faço residência médica no RJ).
Nossa formação foi pioneira, baseada em uma nova grande curricular médica, a qual foi devidamente pensada e voltada à Saúde Preventiva. O que havia de diferente nesta? A formação de um médico dura 6 anos, anteriormente dividida em uma parte praticamente teórica e os últimos 2 anos voltados ao estágio hospitalar.  Nessa nova grade, adotou-se 2 anos e 6 meses de “internato” ou estágios, em que pelo menos 18 meses consistiram em períodos integrais de acompanhamento à Estratégia de Saúde Familiar (ESF ou PSF) e ao ambulatório universitário.
 
Somente no último ano tivemos o internato hospitalar. Quais os pontos positivos e negativos desse sistema? Conhecer as famílias como um todo, visitar suas casas, saber o nome de todos que ali moravam, e finalmente, ser reconhecido como “o médico do bairro”, são alguns dos pontos positivos. Ter um ambulatório digno,
com salas bem equipadas, todas com climatização e instrumentação adequadas, tempo suficiente para o atendimento dos pacientes, talvez fossem privilégios que uma faculdade particular me propusera.
 
Será que na pública não poderia ser assim??? Muitos agora podem estar pensando… Mas você se sente apto a atender baleados, infartados e por aí vai, em uma emergência hospitalar? Não, não e não. Mas quem está? Na minha singela opinião, os profissionais competentes para estarem ali, deveriam ser os mais bem preparados da classe médica e, portanto, devem ser os mais bem pagos.
 
Gostaria que fossem como os médicos de seriados americanos. Pessoas com raciocínio extremamente rápido e automático frente às emergências. Eu sou apenas um recém-formado. Mas por que mais de 90% dos médicos que estão no pronto-socorro são recém-formados??? Alguns médicos que não são aprovados para realizar residência médica ou optam por não fazê-la, acabam por ter duas opções: trabalhar em PSF e/ou em plantões.
 
Infelizmente o salário que pagam e as condições de trabalho em PSF não costumam animar, principalmente em cidades grandes. Em contrapartida, os salários oferecidos para cidades interioranas no Norte e Nordeste podem ser atrativos, contudo essas localidades não dispõem de condição alguma para exercer a profissão com um mínimo de qualidade. Vou explicar agora como é totalmente possível melhorar a Saúde, sem alterar muita coisa do que é previsto no SUS, criado em 1988.
 
O Programa de Saúde da Família (PSF) foi criado em 1994 e representa a atenção primária, ou seja, a porta de entrada da população no SUS. O PSF é divido por territórios estratégicos e que abrangem uma população definida, geralmente um bairro, recomendando-se uma média de 3 mil pessoas para cada posto de saúde. Portanto, uma equipe composta de médico, psicólogo, enfermeiro, dentista e agentes comunitários fica responsável por essas pessoas. Segundo dados demográficos do Conselho Federal de Medicina, atualmente a população brasileira beira aos 194 milhões de habitantes e o número de médicos generalistas é próximo de 180 mil. Portanto, podemos chegar à razão de 1 médico generalista para cada 1.077 habitantes.
 
Ora, se o próprio SUS recomenda 1 médico para 3 mil pessoas, então basicamente temos o triplo de médico necessário??!! A minha primeira contestação e sugestão vem a seguir. Creio que para um atendimento continuado, preventivo e integral, deve-se idealmente consultar um paciente a cada 3 meses. Se um médico é responsável por 3 mil habitantes, resultaria em atender 1 mil por mês.
 
Em uma carga horária semanal de 40h e 22 dias úteis, seriam 10.560 minutos para atender esses pacientes, ou seja, 10 minutos por paciente. Para ser um pouco mais viável, um médico poderia se responsabilizar por 2 mil pessoas, resultando em uma consulta a cada 15 minutos. Ao final de tantas contas, para atender toda a população, precisaríamos de 100 mil postos de saúde. Sobrariam ainda 80 mil médicos.
 
Então presidente, não venha me dizer “precisa-se de mais médicos”. A senhora está indo de encontro ao que prega o SUS. O Brasil tem o grande privilégio de ter criado o SUS, o plano de saúde mais admirado por todo o mundo, mas também conseguimos ter a pior gestão. Sabe quanto se gastaria na construção de 100 mil novos postos de saúde? Cerca de 20 bilhões. Metade do que será gasto na copa do mundo!!! Portanto, presidente, quando pronunciar-se na televisão em relação à saúde novamente, seguem algumas sugestões em ordem de prioridade:
 
(1) NOÇÕES BÁSICAS DE SAÚDE – Propor uma disciplina de noções básica de saúde durante os ensinos fundamental e médio, promovendo a saúde dentro das próprias famílias. Qualquer criança pode aprender que devem lavar seus arranhões com água e sabão, que ao se queimarem não devem colocar pó de café, pasta de dente ou manteiga no ferimento, que o soro caseiro é o tratamento mais eficaz contra uma diarreia comum, entre outras. Você nem imagina o número de pessoas que procuram atendimento na emergência de um hospital por alguma situação dessas acima.
 
(2) FAZER DA EMERGÊNCIA UMA EMERGÊNCIA – Propor um programa de conscientização das famílias para um correto uso do SUS. Essa é uma séria adversidade do sistema. Podem-se utilizar as próprias equipes do PSF, especialmente por meio dos agentes comunitários, bem como por panfletos, palestras, etc. Saber quando se deve ir ao posto, à UPA ou acionar o SAMU é um importante passo. O hospital jamais deve ser a porta de entrada de um paciente. Salvo exceções, somente o SAMU, o corpo de bombeiros ou o médico devem encaminhar os pacientes quando for necessário. Mais de 40% dos atendimentos nos hospitais são passíveis de serem resolvidos nessas outras unidades.
 
(3) PSF e UPAs para todos – Como já descrito acima, com 100 mil postos de saúde pode-se oferecer uma saúde preventiva de qualidade. Quanto às UPAs, a própria PAC do SUS recomenda uma a cada 50 mil habitantes. Portanto, são necessários 4 mil unidades no território nacional e cerca de 20 bilhões para a construção, ou seja, a outra metade da copa do mundo.
 
(4) SALÁRIO DIGNO, COM PLANO DE CARREIRA – Propor um piso salarial condizente com os anos de estudo e investimento para as áreas da saúde. Todos os profissionais da saúde merecem um plano de carreira semelhante às jurídicas. A FENAM (Federação Nacional dos Médicos) recomenda o piso salarial dos médicos de R$ 10.412 por 20 horas semanais de trabalho. Tenho certeza que pela metade disso, com condições de trabalho, terás médico em todo território nacional. Consulte os conselhos das outras profissões da área da saúde e os respectivos pisos sugeridos.
 
(5) INCENTIVO À EDUCAÇÃO CONTINUADA – Oferecer bonificações progressivas. Exemplo: mestrado (10%), mestrado na área de saúde preventiva (15%), doutorado (20%), doutorado na área (25%). Além disso, tornar obrigatória a apresentação de resultados anuais, em forma de artigos ou outros, para comparações entre todos os PSF. Premiações devem ser dadas aos melhores estudos. Dessa maneira poderão averiguar-se os custos e a efetividade do trabalho realizado de todos os profissionais, permitindo uma homogênea e melhor qualidade de saúde à população.
 
(6) CAPACITAÇÃO DE MÉDICOS EMERGENCISTAS E INTENSIVISTAS – Essas duas especialidades exigem decisões rápidas e necessárias para manter a vida de um paciente. Reforça-se que os salários desses profissionais devem ser diferenciados. Exigir especialização na área e cursos de atualizações.
 
(7) ATUALIZAÇÃO DA TABELA DE HONORÁRIOS DO SUS – O número de vagas de residência deve ser aumentado, mas somente em algumas especialidades. As duas supracitadas são um exemplo disso, visto que há pouquíssimas vagas e que poderá haver uma grande necessidade e, consequentemente procura, se o item 6 for estimulado. Entretanto, de nada vai adiantar aumentar as vagas de anestesistas, radiologistas e oncologistas como a presidente citou, sabe por quê? Os anestesistas não aceitam trabalhar por míseros 40 reais por uma cirurgia de alto risco pelo SUS, por exemplo. Enquanto a tabela, que está desatualizada há décadas não for reajustada, não serão somente anestesistas, mas quase todas as especialidades não irão aceitar trabalhar por estes valores.
 
 
Aumentando o número de radiologistas e oncologistas, com certeza se fará maior número de hipóteses diagnósticas de câncer e outras doenças. Caberá aumentar em uma proporção 6 vezes maior o investimento na complementação de seus trabalhos, incluindo exames laboratoriais, patológicos, diagnóstico por imagem, quimioterápicos, radioterapias, centros cirúrgicos, entre outros. Temos condições? Se sim, avante.
 
Infelizmente ainda não pude expor minhas outras sugestões frente à atenção da saúde secundária e terciária. Concluindo, presidente, todas essas medidas são totalmente realizáveis. Enoja-me esse seu foco populista de que são necessários mais médicos. “A população para quem você dá o pão não é a mesma para quem você oferece o circo”. Pense em todo o povo brasileiro e não somente na sua cúpula. Temos 80 mil médicos sobrando. Quantos políticos sobram?!!! Quem sabe depois de tantas manifestações e desse meu depoimento você já saiba onde enfiar os 20 centavos. Curiosamente os mesmos 40 bilhões investidos na copa eram suficientes para o gigante acordar cheio de saúde. Esses 7 bilhões que você acaba de informar como um grandioso investimento, vai ser o mesmo que a FIFA vai lucrar com sua copa. Venha presidente, estou te convidando a conhecer a saúde da região onde fui formado. Mostrarei como se pode fazer “melhor e mais rápido”.
 
* É médico residente R3 de Radiologia no Hospital Federal dos Servidores do Estado do RJ. Graduou-se na Universidade do Oeste de Santa Catarina.

 
 

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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