Sidnei Ferreira*
As centenas de casos de microcefalia ligados ao zika vírus e o descontrole do sistema de saúde, que entristecem e envergonham a nação, mostram a fragilidade das ações de governo e expõem, também, quanto o sistema de saúde pública tem sido considerado de importância subalterna pelos três níveis de administração.
Superlotação dos hospitais e emergências, fechamento de leitos, desestruturação dos hospitais universitários, abertura indiscriminada de escolas médicas, terceirização do gerenciamento da saúde e falta de financiamento são exemplos que desvendam modelos de gestão ineficientes e corruptos como o das OSs, sem controle social ou governamental, exigindo ações urgentes e profundas.
Como em qualquer calamidade, crianças são mais expostas a agravos. O pediatra cuida do recém-nascido, da criança e do adolescente e, para isso, tem formação longa e específica. Torna-se assim, de maneira geral, complexo o atendimento a esses grupos etários por não pediatras ou profissionais não médicos, exceto em casos específicos. Feito de forma inadequada, poderá trazer prejuízos vitalícios à saúde desses pacientes.
O último censo, de 2010, contabilizou 48,2 milhões de menores de 15 anos de idade. Entretanto, o que se constata na rede pública é o pediatra ser substituído por clínicas de família (boa parte sem médicos) e outros profissionais, participando cada vez menos da atenção a crianças e adolescentes, trabalhando em condições indignas, com salário que não condiz com seus conhecimentos técnicos e científicos e com sua importância e responsabilidade.
Não há concurso público. Assim, trabalham com vínculos precários, sem plano de cargos, carreira e vencimentos, muitas vezes sozinhos ou em equipes cada vez mais desfalcadas.
Pelo já exposto, vemos a cada dia se deteriorarem o ensino da graduação e a residência médica.
A pediatria e o pediatra adoecem juntos, padecendo do mesmo mal. Sofrem igualmente suas famílias e as famílias dos que necessitam de seus cuidados. Como cuidar bem da criança e do adolescente se nosso ofício não é bem cuidado, levando muitos colegas, principalmente os que trabalham na ponta, a desespero e desesperança com a profissão? Precisamos mudar esse cenário.
A Câmara Técnica de Pediatria do Conselho Federal de Medicina (CFM) realizou o I Fórum Nacional de Pediatria, reunindo pediatras de todo o País, representantes da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), de suas filiadas, dos Conselhos Regionais de Medicina, da Associação Médica Brasileira (AMB), de escolas médicas e residentes. O relatório com as propostas está sendo finalizado e será distribuído para todos os interessados.
É preciso que os pediatras se unam e entrem na luta, exigindo que sejam ouvidos e respeitados pelos três poderes, fazendo parte das discussões e decisões que dizem respeito às políticas de saúde que envolvam a pediatria, o pediatra e nossas crianças e adolescentes. Questões trabalhistas também têm de ser revistas. A SBP poderá aglutinar e liderar o movimento.
É ilógico e inaceitável planejar a saúde da população sem ouvir o pediatra.
Não vai ser um trabalho fácil, mas tem de ser feito, e assim será.
* É 2º secretário do Conselho Federal de Medicina (CFM), conselheiro federal representante do estado do Rio de Janeiro e membro do Conselho Regional (Cremerj).
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