Escrito por Wanir José Barroso*
Considerando-se a inexistência de uma vacina eficaz, a principal estratégia de controle da malária humana em qualquer região do planeta ainda é o pronto diagnóstico, com tratamento da pessoa doente, além de isolá-la dos mosquitos transmissores enquanto tiver gametócitos na circulação sanguínea. Essa é a única forma eficaz de romper o ciclo da doença. Sem doentes expostos, não há mosquitos com possibilidade de serem infectados, e sem mosquitos infectados não ocorre transmissão da doença.
Um mosquito não infectado não transmite nada, só incomoda. Os transmissores da doença (alguns mosquitos do gênero Anopheles) passam a ter importância secundária em regiões onde o paciente é prontamente diagnosticado e tratado, ou em regiões onde não existam gametócitos do protozoário em circulação na pessoa doente ou em portadores assintomáticos.
Em áreas não endêmicas ou de transmissão interrompida, como o Rio de Janeiro, por exemplo, não se pensa na possibilidade de diagnóstico de malária quando se está diante de um paciente febril. Nessas áreas, além da letalidade ser mais expressiva, o diagnóstico deixa de ser clínico-laboratorial para ser epidemiológico-laboratorial, quando informações sobre a história de malárias anteriores ou a permanência em áreas de transmissão da doença podem esclarecer ou dar indicações para o diagnóstico. Em regiões endêmicas, a ocorrência de casos é proporcional aos níveis de degradação ou desequilíbrio ambiental – que favorece o aparecimento de superpopulação de mosquitos transmissores cada vez mais especializados –, aos níveis da oferta de gametócitos em circulação presentes no doente ou no assintomático exposto com retardo de diagnóstico e tratamento e aos níveis de informação ou desinformação sobre a doença. No Brasil, a malária é endêmica porque a maioria dos casos ou é tratada tardiamente ou simplesmente não é tratada, e esses fatos produzem níveis crescentes de oferta de gametócitos em circulação, produzindo novos casos e mantendo a malária como endêmica no país.
O ciclo da doença não se rompe em função da exposição da pessoa doente ao mosquito transmissor. E são exatamente os gametócitos presentes no sangue do doente os responsáveis pela infecção no mosquito. Quanto mais gametócitos expostos em circulação, mais mosquitos infectados, e quanto mais mosquitos infectados, mais malária. Em outras palavras, o acesso ao diagnóstico e ao tratamento não atinge todos os doentes ao mesmo tempo, nem da mesma forma, e são resultantes, principalmente, da inacessibilidade política, geográfica e assistencial.
A disponibilização de informações sobre os diversos aspectos da doença, sobre estratégias de recuperação ambiental e principalmente sobre onde buscar por socorro médico especializado para quem se desloca ou está em áreas de transmissão é importante estratégia de controle, considerando-se que o óbito por malária é sempre resultante de retardo de diagnóstico – e isso na maioria das vezes é oriundo de desinformação, principal causa do óbito desnecessário por malária.
Fazer a informação navegar e chegar antes da transmissão, do surto, da epidemia ou do óbito por malária, é o desafio. Promover o envolvimento e a aproximação de todos que lidam com o problema da malária, além de atrair parcerias entre pesquisadores, profissionais de saúde, estudantes, políticos, pessoas comuns da sociedade e empresas, é uma estratégia possível e esperada por aqueles que acreditam no controle da endemia. Isso exige não só migração de informações em alta velocidade, mas também com quantidade e qualidade, até porque na malária infecção – assim como na malária doença – o Plasmodium aparece, evolui, se multiplica, desorganiza sistemas e leva à falência mecanismos celulares funcionais e de defesa com uma velocidade de causar inveja a qualquer outro ser vivo.
Desinformações sobre o que é a doença, suas formas de transmissão, seus sintomas, os grupos de risco que podem desenvolver suas formas graves, as vantagens e desvantagens da quimioprofilaxia, os mosquitos transmissores e seus criadouros, medidas de proteção individual, os riscos e malefícios da automedicação, a relação das áreas endêmicas no planeta, medidas de recuperação e proteção ambiental e onde buscar por socorro médico especializado são algumas carências que possibilitam que o infectado corra o risco de que sua doença evolua para as formas graves e até óbito. A malária, além de ter evolução muito rápida, é uma doença de suscetibilidade universal, isto é, qualquer pessoa pode contraí-la, desde que haja exposição ao risco em áreas de transmissão da doença, quando acontece a interação da pessoa doente com mosquitos suscetíveis e de mosquitos infectados pelo protozoário com o ser humano sempre suscetível.
Sob este risco estão cerca de 2,8 bilhões de pessoas, ou 40% da população mundial, que vivem em áreas de transmissão na região tropical do planeta. Um considerável grupo de pessoas é mais vulnerável a desenvolver as formas graves da doença, como os portadores de doenças infecciosas como aids, crianças, mulheres grávidas, idosos e os que contraem a doença pela primeira vez. Com a iniciativa de formalizar parcerias e de fazer a informação navegar, acreditamos que é possível eliminar, não só no Brasil, as desigualdades políticas, sociais e sanitárias pelo controle dessa antroponose que silenciosamente atinge milhões de pessoas no planeta todos os anos. Informar, ousar e fazer a informação navegar é preciso!
* É sanitarista, especialista em epidemiologia e controle de endemias pela Fiocruz/RJ E-mail: wanirbarroso@gmail.com
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