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Escrito por Eloisa Arruda*
 
 

Cada história contada por um usuário de crack vem humanizar as estatísticas, que nos alertam para o crescimento do uso no Brasil
 
 
Este mês em que comemoramos um ano de instalação do Plantão Judiciário no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas do Estado de São Paulo (Cratod) instiga-me a fazer algumas reflexões e aguça na minha memória momentos marcantes vivenciados nesse projeto de resgate de pessoas vitimadas pela drogadição e de assistência às suas famílias.
«Doutora, me ajuda, me ajuda a salvar meu filho! Para ele nada importa mais que a maldita pedra de crack. Eu tenho medo de que ele vire um traficante para poder alimentar o vício. Já não tenho mais forças.»
 
 
A voz embargada a mim dirigida era de uma das centenas de mães que recorreram no ano passado ao Plantão Judiciário do Cratod em busca de apoio para tirar seus filhos do mundo degradante da droga, a maioria dependente do crack.
 
Cada história contada por um usuário ou por seus familiares é um depósito de dores e vem humanizar as estatísticas, que nos alertam para o crescimento contínuo do crack no Brasil, o maior consumidor mundial dessa droga. Estima-se que haja 370 mil usuários regulares de crack nas capitais brasileiras, e a droga avança a passos largos para as cidades do interior.
 
 
Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que quase 80% daqueles que caíram no labirinto do crack desejam se tratar. Nesse contexto, o Plantão Judiciário é mais uma porta aberta para que milhares de famílias possam ter uma via de acesso aos seus direitos e tenham o Estado como parceiro.
 
 
Confessamos que a procura nos surpreendeu. No primeiro dia, mais de cem pessoas acessaram o plantão e, desde então, a demanda tem sido ascendente. Sabemos, entretanto, que nem todas as expectativas foram atendidas.
 
 
Lembro-me do caso de uma mulher que, sucumbida pela tristeza, queria que o filho ficasse internado durante um ano quando a recomendação do atendimento era apenas ambulatorial. É a avaliação médica de um clínico e de um psiquiatra, feita após o atendimento pela área social, que define a modalidade do tratamento a ser ministrado.
 
 
Neste primeiro ano do Plantão Judiciário, houve apenas dois casos de internação involuntária e compulsória. Ao todo, foram 26.988 encaminhamentos, sendo que 13.586 pessoas foram atendidas diretamente pelo Cratod. Não temos dúvidas, portanto, de que essa ferramenta impulsionou o programa Recomeço, iniciativa pioneira do governo de São Paulo para ampliar a assistência às famílias que sofrem as consequências da nefasta drogadição.
 
 
Em novembro passado, tivemos um reconhecimento importante com a menção honrosa concedida pelo prêmio Innovare ao Plantão Judiciário. Agradecemos ao Innovare e a todos que nos impulsionam a ir avante nessa jornada árida, entremeada de amargura.
Asseguramos que as instituições que compõem o sistema de Justiça e o governo de São Paulo vão continuar no firme propósito de acolher, orientar e assistir os dependentes químicos e as suas famílias que clamam por ajuda.
 
 
Reconhecemos, contudo, que ainda há muito a ser feito. O enfrentamento a essa droga devastadora passa por um conjunto complexo de ações que envolvem as áreas de saúde, assistência social, Justiça e segurança pública. Somente essa teia de interação pode resultar em êxito.
 
 
Façamos revigorar neste ano novo a nossa luta contra o crack. Para todos que estão empenhados nesse propósito, trazemos uma semente de esperança ao reproduzir aqui a fala de um rapaz que tem a idade do meu filho e, como ele, é corintiano.
 
 
Sozinho, desamparado e desesperado, o jovem dependente do crack nos procurou no plantão do Cratod e disse: «Conto com vocês para não desistir e não voltar a cair». Ele contou conosco, não desistiu e não haverá de cair de novo.
 
 
* É procuradora de Justiça, secretária estadual da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo.
 
 
Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, edição de 10/01/2014.
 

    

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