Escrito por Pedro Pablo Chacel*
Não resta a menor dúvida de que o nascimento é um ato biológico: ocorre em decorrência de leis da natureza. Como ninguém ignora que a vida acontece e as crianças emergem no mundo, independente da ação de profissionais de saúde. Todos sabem, também, que os filhotes dos animais não-humanos vêm à luz com mais facilidade que as crianças. Como também se sabe que, antes dos médicos cuidarem das parturientes , a situação sanitária delas e de seus filhos era bem pior. O desenvolvimento da medicina fez com que situações anômalas, que levavam à alta morbimortalidade materna e feto-neonatal, fossem devidamente tratadas, diminuindo sensivelmente estes riscos.
Apesar dos muitos protestos contra a medicalização do nascimento dos bebês, o parto nas maternidades atendidas por médicos e sob a sua responsabilidade continuou a se tornar cada vez mais seguro. Sobretudo nos países em que governos decentes investem na saúde de seu povo. Já nos que faz em a opção preferencial pelos agiotas…
As coisas andavam nestes termos quando o governo brasileiro resolveu instituir maternidades sem médicos, que passaram a ser chamadas “Casas de Parto”- estabelecimentos confiados unicamente a enfermeiras obstetrizes.
Por lei, estes profissionais da enfermagem estão autorizados a atender ao parto normal sem distocia. Isto é, aos partos naturais sem qualquer complicação. Complicações que, de resto, costumam ser completamente imprevistas e imprevisíveis. Quando da ocorrência de uma delas, a parturiente deve ser transferida para uma maternidade que conte com médico.
O trabalho de parto é um processo em que um objeto de flexibilidades desiguais (feto) atravessa um canal curvo e acotovelado (canal do parto), impulsionado por um motor (contração uterina). A qualquer momento pode surgir uma obstrução, causada pelo objeto, pelo trajeto ou pelo motor.
Acrescente-se que as trocas materno-fetais podem ocorrer de maneira incorreta surgindo, inesperadamente, o sofrimento fetal; quando, então, fica clara a necessidade da existência de outro profissional, habilitado técnica e legalmente a assistir, diagnosticar e intervir quando necessário. Obviamente, este profissional é o médico. É inevitável que a atenção ao parto tenha supervisão médica, já que a distocia pode surgir de inopino e só o médico está preparado para agir nesta circunstância.
O Estado brasileiro concorda com o Banco Mundial sobre a necessidade de diminuir o custo da assistência; para tanto, entre outras medidas, desenvolve a implantação de atenção obstétrica com a utilização de “Casas de Parto”, sem atenção médica, para pessoas de baixa renda.
Estão instalando “Casas de Parto” nas principais cidades do Brasil, cidades onde a assistência hospitalar tem sido suficiente para o atendimento obstétrico. Talvez sejam projetos-piloto, com o sentido de promover em todo o país a implantação de serviços de mais baixo custo, notadamente nas regiões mais pobres, onde não existem recursos em quantidade suficiente.
Não resta dúvida de que a morbimortalidade materna e perinatal tem diminuído no Brasil, o que deve ser creditado à melhor assistência médico hospitalar. Nas regiões menos favorecidas , onde esta assistência se faz menos presente, os índices de morbimortalidade ainda são muito altos.
Há mais ou menos três anos, acompanhamos o professor Edmund Chada Baracat, presidente da Febrasgo , e a dra. Lívia Barros Garção, vice-presidenta do CFM, em visita a uma “Casa de Partos” na cidade de São Paulo. Dirigida por uma enfermeira obstétrica, com título de doutorado, instalada em prédio novo e amplo. Não havia participação de médico na equipe de assistência. Dispunham de recursos materiais como cardiotocografia anteparto, banheira de hidromassagem, etc. e ambulância disponível para transferência para hospital da rede pública de saúde, se necessário. Mortalidade materna e perinatal zero. Em pouco mais de dois anos de atividade, haviam atendido a 816 partos e transferido apenas 16 pacientes – das quais oito submetidas a cesariana. Se considerarmos que o sofrimento fetal ocorre em 4% dos partos e a desproporção feto-pélvica em mais 4% dos partos, podendo serem concomitantes, acreditamos que o número de transferências, somente para a execução de cesarianas, deveria ser, admitindo 6% de indicações de interrupção por sofrimento fetal e ou desproporção feto-pélvica, por volta de 50. Fica claro que a admissão na “Casa de Parto” por nós visitada era extremamente rigorosa, só admitindo pacientes de baixíssimo risco. Note-se que o número de partos assistidos situou-se em cerca de dois ao dia, tornando a assistência prestada obrigatoriamente de alto custo.
Estas “Casas de Parto”, de custo elevado, não passam de projeto-vitrine , com a finalidade de instalar serviços de baixa resolubilidade em localidades pobres, onde a morbimortalidade é alta, conseqüente à ausência de recursos: atenção de baixa qualidade para pessoas pobres.
* É ginecologista, obstetra e conselheiro federal pelo Distrito Federal.
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