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Escrito por Jorge Carlos Machado Curi*
 
Com as mudanças na lei seca aprovadas recentemente pelo Congresso Nacional e a nova portaria do Conselho Nacional de Trânsito, que estabeleceu tolerância zero para a aplicação de multas, e um limite de apenas 0,34 mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões para prisão, a fiscalização durante o último Carnaval rendeu alguns bons motivos para comemoração.
 
Muito mais severas que nos anos anteriores, as blitzen da Polícia Militar pararam três vezes mais veículos que em 2012, totalizando 7,5 mil. Destes, 611 receberam multa por infringir a lei durante o Carnaval. O número de motoristas dirigindo sob efeito de álcool e drogas foi 185% maior que o do ano anterior.
 
No entanto, as novidades também estiveram acompanhadas de boas notícias: o número de mortos caiu 13% (de 27 para 24), assim como o de feridos, que teve uma redução recorde de 57%. Isso quer dizer que tivemos 445 pessoas acidentadas nas ruas e estradas, ao invés das 1077 de 2012.  
Todas estas iniciativas recolocam o país como forte candidato a cumprir uma meta proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU) durante Assembleia Geral realizada em março de 2010. Naquela ocasião, o período de 2011 a 2020 foi proclamado como a Década Mundial de Ações para Segurança no Trânsito. De lá para cá, países do mundo inteiro têm a missão de estimular esforços para conter e reverter a tendência crescente de fatalidades e ferimentos graves em acidentes no trânsito em todo o mundo.
Hoje temos no Brasil taxa média de mortalidade no trânsito superior à mundial, com 30,1 mortes a cada 100 mil habitantes ao ano. Em 2011, 42.844 mortes no trânsito brasileiro nos trouxeram um novo recorde do país: foi o maior índice anual registrado em toda a história.
Isso sem contar as mais de 153 mil internações de vítimas destes acidentes de trânsito somente em hospitais da rede pública. Destas, quase metade (48%) envolveu motociclistas.
 
 Aí entra outro grande problema no país: o aumento da frota de motos, que de 5 milhões subiu para 16 milhões em dez anos. No mesmo período, o número de carros subiu de 23 milhões para 41 milhões.
 
 E se os efeitos do álcool são desastrosos ao motorista, que segue em seu veículo protegido por uma série de equipamentos, como o cinto de segurança, air bag e as barras de proteção, instaladas obrigatoriamente nas portas dos veículos de passeio. Nada disso, no entanto, está disponível ao motociclista, que conta, quando muito, apenas com o seu capacete.
 
 Estudo recente, que mapeou os acidentes registrados no Brasil nos últimos cinco anos, verificou que um motoqueiro tem 30 vezes mais chances de morrer no trânsito do que um motorista de carro. O crescimento de mais de 7% das mortes de motoqueiros registrado no último Relatório Anual de Acidentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) é superior, inclusive, ao crescimento de motos em circulação, que foi de 6%.
 
 Outra informação que chama atenção é o fato de 60% destas mortes acontecerem até 24 horas após os acidentes. Isso significa que ocasionam, em sua grande maioria, traumas gravíssimos, sem chance de sobrevida.
 
 Com todas estas constatações e, principalmente, com as diversas histórias dramáticas noticiadas regularmente pela imprensa envolvendo consumo de álcool, acidentes de trânsito e mortes, é importante destacar que 45% das vítimas fatais apresentam alcoolemia positiva. E não há nível de consumo seguro. Evidências médicas internacionais e o Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira e do Conselho Federal de Medicina dão conta de que os efeitos sobre o organismo são determinados por múltiplas variáveis, como sexo, peso, etnia e alimentação, sendo imprudente estabelecer um padrão de tolerância.
Assim, por que não endurecer ainda mais e imputar regras cada vez mais rígidas àqueles que teimam em colocar as suas vidas e as nossas em risco? Países desenvolvidos como a Alemanha ou o Japão, mesmo com uma antiga cultura de educação no trânsito, trazem regras rígidas e punições severas. Não podemos nos concentrar em uma única extremidade desta corda e afrouxar a outra. Vamos, sim, mantê-la sempre rígida, com um programa educativo amplo e abrangente de um lado, mas também com uma ação legislativa de tolerância zero e punição severa aos infratores do outro.  
 
A Associação Médica Brasileira, ao lado de demais entidades médicas, tem participado ativamente de campanhas de educação ao lado de ONGs e outras organizações, que lutam por conscientização da população e ações cada vez mais enérgicas do governo. A organização Não foi acidente é uma delas, que inclusive estimula, em seu site, a assinatura de petição pública para reduzir ainda mais as brechas e permissividade das leis de trânsito atuais.
 
Assim, sozinhos ou em grupos, sejam eles grandes ou pequenos, participamos ativamente de mais esta ação em prol da sociedade, ao invés de permanecer assistindo a este aumento de acidentes envolvendo álcool sem tomar qualquer atitude. Se vamos pecar, que seja pelo excesso, mas jamais permanecer calados diante deste extermínio no trânsito.
 
 
  
* É vice-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB).
 
 

 
    

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