Escrito por Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
Por melhores que sejam técnicas e profissionais, não se pode prometer e nem assegurar 100% de êxito em qualquer procedimento em Medicina. O uso de próteses mamárias de silicone ilustra bem essa situação. Ao longo dos últimos 20 anos, este tipo de material tem sido exaustivamente avaliado. Em junho de 2011, a FDA – agência dos Estados Unidos que atua na mesma seara que a Anvisa – afirmou, em nota, que as evidências indicam que os implantes mamários de gel de silicone contam com “razoável garantia de segurança e eficácia quando usados de acordo com a bula”.
Contudo, no Brasil, a polêmica se instalou na esteira do recente episódio envolvendo as próteses de silicone das marcas PIP e Rofil. Inclusive, falou-se sobre supostas tarefas descumpridas pelos médicos, que poderiam ter evitado transtornos para milhares de pacientes. Cabe-nos apresentar argumentos que mostram que os pacientes, os médicos e mesmo as autoridades sanitárias foram presas do acaso e da irresponsabilidade de alguns.
Em primeiro lugar, durante as cirurgias de aumento mamário, o médico tem apenas a obrigação de verificar se a prótese esta disponível e sem violação da embalagem. No caso em questão, houve adulteração do gel que preenchia o material, o que só pode ser comprovado com exames em laboratório. Quanto a possíveis efeitos adversos após os implantes, até o momento não está prevista comunicação compulsória às autoridades sanitárias, salvo na constatação de doenças transmissíveis, como infecções por micobactéria.
Além disso, existem os números. Atualmente, há cerca de 5 mil cirurgiões plásticos e mastologistas em atividade no país– especialistas que lidam com próteses mamárias. Calculando-se que foram realizados 25 mil implantes (com próteses da marca PIP) desde 2004, quando ela entrou no Brasil, e que cada cirurgião operou uma pessoa com um par de implantes, teríamos 12500 pacientes atingidos no país.
Num exercício matemático, podemos supor que cada profissional realizou 2,5 implantes deste tipo ao longo de seis anos. Tal frequência não permite conclusões sobre efeitos adversos, a menos que número significativo tivesse ocorrido num mesmo local ou com um mesmo cirurgião.
Não podemos ignorar, sobretudo, que os implantes tinham passado pelo crivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), encarregada de verificar, credenciar e fiscalizar todos os materiais implantáveis considerados de risco III e IV (válvulas cardíacas, próteses articulares, lentes para catarata, etc). Se a autoridade máxima competente não se manifestou, o que os cirurgiões poderiam fazer? Detalhe: quando a Anvisa adotou medidas restritivas, imediatamente os médicos seguiram à risca a nova “bula”.
Finalmente, o caso das próteses de silicone demostrou a fragilidade e a fabilidade dos sistemas de vigilância sanitária em escala mundial, já que os mesmos problemas foram denunciados em 12 países. O que resta são lições que exigem medidas práticas. No Brasil, a principal delas seria a criação de um cadastro nacional que permite o rastreamento de todos os implantes, sem ferir a ética médica e os direitos do paciente.
A proposta pioneira – atualmente em gestão na Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC) – deveria ser apoiada pelas autoridades sanitárias, pelos gestores, pela imprensa e pela população como maneira de oferecer mais segurança a este tipo de procedimento, ao reforçar os mecanismos de vigilância e controle contra o acaso e os abusos.
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima é 1º vice-presidente e coordenador do Departamento de Comissões e Câmaras Técnicas do Conselho Federal de Medicina (CFM)
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