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Escrito por Abdon Murad*


Neste ano, aos 75 anos de idade, faleceu o Dr. Analício Pereira de Brito, em uma cidade do interior, onde trabalhava há alguns anos. Obstetra competente Analício, ao invés de aposentar-se de todas as tarefas profissionais com a chegada da velhice, mudou-se de São Luis para a pequena cidade de Tuntum, onde continuou a prestar atendimento profissional a pessoas carentes.

Esta é a realidade do médico deste Pais, em sua grande maioria. Não é bem remunerado pelo seu importante trabalho nem tem aposentadoria digna que lhe permita descansar no crepúsculo da vida. Ao contrário, enquanto for possível trabalhar, ele continua a sua luta por mais de cinqüenta anos.

Sei que esta também é a realidade de uma grande fatia dos demais trabalhadores de nossa terra. Um segundo e fulminante infarto do miocárdio tirou de nosso meio mais um médico trabalhador e honrado, que só deixa para sua família a história por ele escrita. Nada de pensão elevada, nada de prédios, salas, carros etc. Analício morreu pobre como a maioria de nós médicos vai morrer.

O Brasil não prestigia quem lhe presta serviço por toda a vida e, assim, inúmeras pessoas são obrigadas a continuarem trabalhando, já sem saúde e no momento de economizar forças para viver um pouco mais e melhor. Aposentadorias vis e vergonhosas não viabilizam o descanso no momento necessário, nem permitem a tranqüilidade de, quando jovens, olharem para o futuro com segurança. Esta realidade já é um fator agravante para a instabilidade da vida de muitos brasileiros e em especial dos médicos.

Profissional extremamente dedicado e insubstituível, o médico passa a vida trabalhando e morrendo aos poucos, sem perspectivas de descanso e sem a certeza de que um dia poderá parar e viver uns anos sem trabalhar, porque já está velho, cansado e desgastado pelas doenças que acumulou ao longo de sua vida. Após o seu primeiro e grave infarto, Analício deveria ter tido o direito a uma aposentadoria que não lhe obrigasse a ter de continuar trabalhando até morrer. Ele realizou cirurgia de urgência no hospital público de Tuntum durante a noite e logo cedo, na manhã seguinte, morreu.

Nosso País é ingrato com seus velhos e com os jovens pela certeza de uma vida difícil até o fim. Não reconhece o trabalho atual e, desta maneira, não prepara um futuro seguro para os brasileiros no final de suas vidas. Nós, médicos, somos como que bóias frias, trabalhando de sol nascer a se por, num corre corre cansativo e desgastante continuamente, enquanto for possível.

Um segmento pequeno da classe médica consegue, após muito trabalho, ter a velhice tranqüila e bem vivida. A grande maioria trabalha duro até o final de seus dias e, quando não é mais possível, por doenças, vive mal, com poucos recursos financeiros, sem o reconhecimento pelo seu trabalho exaustivo ao longo de toda a vida, desde estudante. Acredito que o Analício foi um vencedor, apesar da história relatada. Ele prestou assistência a incontáveis pacientes, ajudou inúmeras crianças a nascer e honrou a sua classe, seus familiares e amigos.

A sociedade considera vitoriosas as pessoas que passam a vida fazendo o bem e trabalhando para ajudar o próximo, sem se preocuparem em acumular dinheiro, até porque, quando se parte desta vida não se leva nada, mas, podemos deixar exemplos que mereçam serem seguidos e imitados pelos que ainda ficam por mais tempo.


*Abdon Murad é conselheiro federal e presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Maranhão (CRM-MA).


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