Escrito por Ademar Carlos Augusto*
A “explosão” sem justificativa de cursos de medicina fez com que o Brasil ficasse entre os países com mais escolas médicas no mundo, no entanto sem obedecer um critério de relação entre quantitativo populacional e necessidade de formação profissional. O número de escolas médicas no Brasil, com população de um pouco mais de 200 milhões de habitantes, está se aproximando do de países como a China e a Índia, ambos com mais de 1 bilhão de habitantes.
Conforme informações da Demografia Médica do Brasil 2018, lançada recentemente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o País fechou o ano de 2017 com 289 cursos em funcionamento, e outros em vias de instalação. Os dados sugerem a “privatização” do ensino médico, pois 65% dessas escolas são particulares.
O alto custo das mensalidades, em boa medida financiadas com verbas públicas, tornam o negócio atrativo, o que levou à abertura desses novos cursos de forma desordenada e descomprometida. Em favor deste raciocínio, vem a distribuição dos estabelecimentos, que, em sua maioria, foram abertos em áreas já plenamente atendidas pelo quantitativo de médicos existentes.
O mesmo estudo demográfico citado comprova a maior concentração de médicos na região Sudeste, ficando em segundo lugar o Sul, seguidos, em ordem decrescente, pelo Centro-Oeste, Nordeste e Norte.
A justificativa apregoada pelo Governo Federal em favor da interiorização do médico pela abertura de novos cursos, modelo adotado a partir do governo FHC e largamente utilizado pelos governos subsequentes, não encontra amparo no estudo recentemente apresentado. Tal justificativa termina por ser uma falácia.
Com a permanência desta política de novos cursos, recentemente foi autorizada a implantação de faculdades de medicina nos municípios amazonenses de Itacoatiara, Parintins e Manacapuru. Conhecendo-se a realidade social e econômica do estado e analisando a situação com isenção e bom senso, percebe-se que tal medida constitui um ato político de consequências sem resolutividade prática.
Prova disso é o Amazonas já ter três escolas médicas em Manaus, com uma quarta iniciando suas atividades este ano, inclusive com a garantia de cotas para estudantes do interior. Detalhe: até hoje isso não se refletiu no crescimento da oferta de médicos nos municípios com exceção da capital.
Na demografia atualizada, de um total de 4.844 médicos em atividade no Amazonas, 4.508 atuam em Manaus. No estado, vive uma população de pouco mais de 4 milhões de habitantes (de acordo com o último censo do IBGE), e na capital estão poucos mais de 2 milhões deles, o que dá uma razão de 2,12/1.000 habitantes, índice plenamente satisfatório para um bom atendimento.
Esta realidade se contrapõe às explicações e às justificativas das autoridades responsáveis pela liberação de novos cursos médicos. Aliado a este quadro temos a grandeza territorial do estado, a falta de políticas de respeito ao cidadão, além da aplicação desordenada dos insumos financeiros.
Diante do exposto, a proposta para mudar esta situação seria a criação de uma carreira de Estado para os médicos, à semelhança do Judiciário, com a valorização profissional, construção de hospitais regionais, oferta de infraestrutura adequada e quantitativo de recursos humanos e equipamentos suficientes, além de financiamento apropriado ao SUS, com controle social desses recursos de forma a evitar o seu desperdício e desvios.
A adoção dessa medida seria a solução ideal para a fixação dos médicos em áreas distantes e de difícil provimento. Certamente, muito mais eficiente do que promover a abertura de cursos de medicina de forma indiscriminada.
* É especialista em oncologia e ginecologia e obstetrícia. Também é o representante efetivo dos médicos do Amazonas no CFM.
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