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Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*

 

O físico britânico Stephen Hawking, uma das mais brilhantes mentes já conhecidas, tem sido pessimista em suas previsões sobre o futuro. Em recente entrevista à BBC, deu apenas um século à nossa frente para que se encontre um novo planeta onde a espécie humana possa se instalar e sobreviver.  Na sua visão, as alterações climáticas e o crescimento desenfreado da população mundial, entre outros fatores, prenunciam um desfecho apocalíptico para o planeta Terra.

Menos fatalista, mas igualmente sombrio, é o relatório da agência espacial americana (NASA), divulgado recentemente, que aponta sinais de um possível colapso da civilização. Por conta do estudo do Centro Nacional de Síntese Socioambiental, um órgão parceiro da Fundação Nacional de Ciências Norte-Americana, a NASA afirma que a humanidade corre sérios riscos devido à exploração insustentável de recursos naturais e ao aumento da desigualdade na distribuição de renda.

O matemático da Universidade de Maryland (EUA), Safa Motesharrei, um dos responsáveis pelo trabalho, concluiu que a modernidade pode não livrar o homem do caos: «a queda do Império Romano, e também dos impérios Han, Máuria e Gupta (entre outros), assim como tantos impérios mesopotâmios, testemunham o fato de que civilizações baseadas em uma cultura avançada, sofisticada, complexa e criativa também podem ser frágeis e inconstantes».

De acordo com as citações do cientista americano, a superpopulação no planeta (atualmente na casa de 7,2 bilhões de pessoas), as tensões ambientais (mudanças no clima, escassez de água, crise energética etc.) e outros fatores anunciam o declínio da civilização. Ele vai além e inclui com destaque nesta lista a estratificação econômica, vidente na maior profundidade do fosso entre os mais ricos e os mais pobres, sobretudo nos países menos desenvolvidos.

Como ressalta Motesharrei, a desigualdade entre as classes sociais ordena o fim de impérios há mais de cinco mil anos.  Igualmente, o cientista lembra que o desenvolvimento tecnológico contemporâneo aumenta a produção, mas também estimula o consumo em níveis nunca vistos. Pelas conclusões, se todos adotassem o estilo de vida dos americanos seriam necessários cinco planetas para atender às necessidades da população.

Apesar da impossibilidade de exata previsão do futuro, a matemática, a ciência e a história fornecem pistas sobre as perspectivas de evolução da humanidade e, em particular, das sociedades ocidentais. Na visão do economista político Benjamin Friedman, a falência do atual sistema de produção poderia fazer ruir os pilares sobre os quais foi erguida a atual civilização ocidental.

Assim, as ameaças à democracia, às liberdades individuais e à tolerância social anunciam a iminência de um estado distópico, marcado pela disputa por recursos cada vez mais escassos e pelo crescimento da violência nas relações humanas, em todos os níveis. Para Safa Motesharrei, as elites acumulam riqueza, deixando pouco para os menos favorecidos, com consequências negativas para todo o tecido social.

Quase metade da população mundial vive com menos de US$ 3 por dia.  No Brasil, o diagnóstico divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), situa o País no décimo lugar entre os mais desiguais do mundo, com a África do Sul no topo do ranking.

Na América Latina, o Brasil só fica atrás do Haiti, da Colômbia e do Paraguai. O seu percentual de desigualdade de renda (37%) é superior à média da América Latina, incluindo os países do Caribe (34,9%), e o aumento da criminalidade castiga a sociedade brasileira.

Com um total de 59.089 homicídios, o Atlas da Violência 2017, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, calcula uma taxa de 28,9 assassinatos para cada grupo de 100 mil brasileiros, inserindo o Brasil entre as nações mais violentas do mundo.

Os atentados terroristas do planeta nos cinco primeiros meses de 2017 não superaram a quantidade de homicídios registrada no País em 21 dias. Em 498 ataques de grupos extremistas, 3.314 pessoas morreram, enquanto, segundos dados do Ministério da Saúde, no Brasil, cerca de 3,4 mil pessoas foram mortas em três semanas. 

Trata-se de uma guerra silenciosa, acirrada pelas desigualdades econômica e social. De cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. As regiões Norte e Nordeste são as mais penalizadas e, de forma individual, o maior impacto recai sobre os jovens, que sofrem com o aumento da taxa específica de homicídios em 17,2%, entre 2005 e 2015. Este índice 7,2 pontos percentuais maior do que o indicador nacional no mesmo período.

Diante desse quadro, em seu relatório, o Ipea acusa a «naturalização» do fenômeno do homicídio no Brasil e salienta o «descompromisso por parte de autoridades nos níveis federal, estadual e municipal com a complexa agenda da segurança pública». Essa falta de estrutura repressiva contribui com o recrudescimento da intolerância e do medo, gerando uma percepção de instabilidade social e da banalidade do mal.

No contexto global, quadros semelhantes aliados a outros fatores causais (estrangulamento da produção, desastres ambientais, pressões demográficas, endividamento progressivo dos estados nacionais) têm colocado o mundo numa «Faixa de Gaza».

O alerta de Stephen Hawking sobre a necessidade de um êxodo planetário deve levar a humanidade a reflexões sobre as escolhas racionais – individuais e coletivas – com o objetivo de redução da desigualdade social, do descompasso demográfico, do uso abusivo dos recursos naturais e do aumento da poluição, entre outros. 

Tais opções políticas são difíceis, por vezes onerosas, mas não impossíveis, e se implementadas na prática poderão evitar uma situação de colapso global e conduzir a civilização pelos caminhos de um sustentável desenvolvimento.

Por suas dimensões continentais e riqueza ambiental, o Brasil é responsável perante a humanidade por esforços compatíveis com suas potencialidades no combate às iniquidades sociais e cuidados com o meio ambiente, imprescindíveis à civilização em nosso planeta azul e branco. Afinal, como disse Motesharrei, «nós não podemos esperar para sempre».

 

Palavra do Presidente publicada na edição nº 267 do Jornal Medicina. Acesse aqui a publicação.

 

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