Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
Redução de danos configura um conjunto de práticas com o objetivo de minimizar os problemas decorrentes do uso de drogas psicoativas por pessoas incapazes de abandonar o vício ou que não querem fazê-lo. As primeiras experiências de aplicação dessas práticas ocorreram na Inglaterra, nos anos 1920, com soldados que lutaram na Primeira Guerra Mundial, quando foram tratados com morfina e ficaram dependentes de opioides.
Diante desse quadro de vício como efeito deletério de uma guerra, na época, argumentou-se que era obrigação do Estado fornecer a substância aos pacientes para reduzir os riscos de uma interrupção brusca. Essa percepção aparece no Relatório Rolleston, um documento que traz as recomendações de uma comissão presidida pelo então ministro da Saúde do Reino Unido, Humphrey Rolleston, no qual se autorizava os médicos britânicos a prescrever ópio a dependentes em situação de risco.
Na década de 1980, a redução de danos voltou à tona quando a Junkiebond (união junkie), associação holandesa de usuários e ex-usuários de drogas, fez um alerta para a disseminação da hepatite B por conta do compartilhamento de seringas contaminadas. Diante dessa possibilidade, o governo holandês implantou um programa de troca de seringas em Amsterdã, em 1984. Conforme artigo publicado na Folha de S. Paulo sobre o tema, com o passar dos anos, a mesma abordagem passou a ser usada em situações envolvendo o HIV e a drogadição.
Contudo, trata-se de tema polêmico. Não há consenso na comunidade científica sobre a segurança e a eficácia de estratégias de prevenção e combate ao uso de entorpecentes que impliquem, por exemplo, na substituição de uma droga psicoativa por outra menos danosa. Até o momento, todos os sinais apontam a abstinência como a melhor abordagem para tratar esses usuários.
Nesse sentido, o Conselho Federal de Medicina (CFM) empenha seu apoio à nova política nacional sobre drogas, em vigor desde o começo de abril, a partir da publicação de decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Ao contrário do que vinha sendo priorizado até o momento, é preciso criar condições para que a população que luta contra o vício das drogas encontre o apoio necessário para abandonar essa prática de vez.
Conforme tem sido relatado em diferentes oportunidades pela Secretaria de Cuidados e Prevenção às Drogas, vinculada ao Ministério da Cidadania, a redução de danos, enquanto política pública, apresentava resultados aquém dos esperados pela população brasileira. Assim, entende-se a oportunidade de assegurar ao País uma estratégia de enfrentamento desse problema com base em pressupostos como a abstinência, a recuperação e a sobriedade do indivíduo.
Isso inclui adotar medidas como a ampliação dos leitos de internação em psiquiatria, o aumento do apoio financeiro às comunidades terapêuticas, a realização de campanhas para desestimular o consumo de drogas e a adoção de planos eficazes para reprimir o narcotráfico. O CFM ajudou a construir o novo modelo de intervenção adotado pelo Governo, o qual foi discutido amplamente no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).
Esse foi um trabalho de longo prazo, com foco na sensibilização técnica e ética dos membros do Conad, que resultou na elaboração do Decreto no 9.761/2019, que institui a nova Política Nacional Antidrogas. Para os médicos, o conjunto de medidas previstas na norma ajudará a fortalecer a rede de atenção psicossocial no Brasil, inclusive, valorizando e reconhecendo o papel da categoria nessas ações antidrogas.
Trata-se de um marco, que define a dependência química como uma condição que necessita de acompanhamento clínico e social digno. Após sucessivos fracassos, o Brasil está diante de uma possibilidade real de esperança para milhões de brasileiros e suas famílias, que têm na luta contra o vício às drogas um desafio diário.
* Palavra do Presidente publicada na edição nº 290 do jornal Medicina. Acesse aqui a publicação.