Escrito por Rosimara Moraes Bonfim*
Escrevendo este artigo em fevereiro, já estamos observando as diversas manifestações sobre comemorarmos o Dia da Mulher, em 8 de março. Permeando as discussões na mídia sobre segurança pública e qualidade dos serviços de saúde se deteriorando, surgem aqui e ali comentários sobre um trabalho científico intitulado Estudo da mortalidade dos médicos no estado de São Paulo: tendências de uma década (2000-2009), desenvolvido e publicado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), que revela dados alarmantes: os médicos em geral morrem mais cedo que o restante da população, principalmente as médicas! Alerta preocupante, que chamou atenção em especial pela época na qual está sendo publicado.
Análise mais apurada dos dados obtidos, ressalvando-se as limitações citadas no próprio artigo, temos como causas básicas de óbito na profissão em primeiro lugar as neoplasias e, em segundo, as doenças cardiovasculares nas mulheres; e nos homens, doenças cardiovasculares em primeiro e as neoplasias em segundo. Ou seja, doenças diretamente relacionadas aos hábitos de vida. Já discutimos anteriormente o estresse na profissão, crescente preocupação nossa, em especial pelos estudos recentes demonstrando evidências claras de burnout não só nos médicos já em exercício profissional, mas também nos residentes e nos estudantes de medicina.
Chama atenção também o fato de entre médicos a taxa de suicídio ser quase quatro vezes maior que a da população em geral, aqui se ressaltando a elevada incidência entre as médicas. Dados comparativos com um estudo de Santa Catarina, da Polônia e da Dinamarca também tendem aos mesmos resultados. Mas afinal, o que está acontecendo com essas profissionais? Podemos inferir que a baixa qualidade no tocante aos cuidados com dieta e exercícios – pela falta de tempo –, a sobrecarga de trabalho e gestão das deficiências do sistema público, as limitações de convênios e as cobranças exageradas, mesmo de pacientes de clínica particular, geram um estado constante de estresse e demandam muito tempo dos profissionais de ambos os sexos. Além disso, nas mulheres há culturalmente a expectativa de serem mais compreensivas e passivas, atendendo às demandas também emocionais dos pacientes e de demais membros da equipe de saúde, ou seja, esperam da médica o papel muitas vezes de amiga, filha, mãe e confidente. Por outro lado, há ainda a cultura da mulher ter que provar sua capacidade, realizando as suas tarefas de forma “mais bem-feita” e, assim, provando que tem a mesma capacidade do homem, trazendo estresse adicional ao seu exercício profissional. Quando sai do trabalho, há sua jornada no lar, na qual tem minimamente o papel de administrar a casa e os auxiliares que tiver para a gestão da família, o que frequentemente não cobrado do médico. E muitas vezes ela é a executora dos cuidados a todos, desde refeições até acompanhar atividades escolares. Se ela não é mãe, muitas vezes os familiares e amigos não médicos esperam algum cuidado especial, demandando também atenção. Não sobra tempo para o lazer ou exercícios, há restrição do sono e outros aspectos. Esses fatores somados podem também explicar o índice maior de suicídios entre médicas em comparação aos médicos. Como dispõem de conhecimento técnico mais apurado, optam por essa via extrema de maneira mais silenciosa que as mulheres não médicas e, assim, fica tarde para serem socorridas.
Um dado igualmente relevante é a limitação do profissional de medicina em procurar ajuda, especialmente nos casos de depressão e sobrecarga emocional: acostumados a serem considerados “fortes” e ainda em uma cultura que discrimina pacientes buscando ajuda com profissionais de saúde mental, os médicos naturalmente tendem a não procurá-la, havendo muitos casos de depressão, burnout e outros quadros sem o diagnóstico e o devido tratamento.
O próprio estudo chama atenção a todos esses aspectos, em especial à necessidade de mais pesquisa e investimento na qualidade de vida: oportunidades de atividade física, evitar tabagismo e etilismo, mais lazer, descanso apropriado e melhoria na dieta, no ambiente de trabalho e nas relações são elementos frequentemente citados no consultório e esclarecidos aos pacientes diariamente, mas não são praticados pela classe médica. Assim, a qualidade de vida dos profissionais de medicina também pede socorro. Fica aqui o alerta, em especial às médicas!
* Cirurgiã plástica, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e diretora de assuntos profissionais da Associação Médica de Governador Valadares (AMGV).
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