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Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*

A repercussão dos casos de violência no Brasil ultrapassou as fronteiras nacionais. O relatório da organização de defesa dos direitos humanos, Human Rights Watch, divulgado em fevereiro, chamou a atenção do mundo para a insegurança pública no País. No documento, há destaques para a Venezuela, como um exemplo extremo de crise humanitária e de desrespeito à democracia na América Latina, e para o Brasil, criticado pela ausência de soluções aos seus desafios nos campos da prevenção e do combate à violência.

Os dados apresentados registram a morte de mais de 4.600 mulheres em 2016 (principal período analisado), o que revela uma das faces mais perversas da violência doméstica. Além disso, apontam a crise do sistema penitenciário, que conta com a metade das vagas necessárias para abrigar seus mais de 700 mil detentos atuais.

Ainda tornam evidente o crescimento do ciclo de violência urbana, que vitima civis e agentes de segurança. Em todo o País, 437 policiais foram mortos em 2016, a maioria fora de serviço. Número que deve aumentar nas estatísticas oficiais em face da situação vivenciada, recentemente, por estados como Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Ceará e, principalmente, Rio de Janeiro.

A situação detalhada no Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), corrobora o quadro desenhado pela Human Rights Watch.

Pelo estudo, que analisou a evolução dos homicídios no Brasil entre 2005 e 2015 a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, aconteceram 59.080 homicí- dios no País em 2015. Pelos números, a metade dos homicídios aconteceu em 2% dos municípios (111), cuja soma das populações representa 19,2% dos brasileiros.

Homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País. De acordo com o trabalho, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras, e a morte de pessoas do sexo masculino, com idade entre 15 e 29 anos, representa 47,85% do total de óbitos registrados no período estudado.

O painel apresentado por organizações reconhecidas internacionalmente ganha contornos trágicos em situações descritas pelo noticiário, onde mortes violentas – muitas delas de crianças e adolescentes ví- timas de balas perdidas – ocupam na mídia espaço cada vez maior, e os indicadores de morbimortalidade ajudam a delinear a estreita relação entre violência e saúde da população.

No Brasil, jovens perdem a vida de forma inesperada, e as mortes violentas influenciam o índice de expectativa de vida, em especial dos homens. Afinal, em suas múltiplas expressões, esse fenômeno é, atualmente, a terceira maior causa de mortes no País, sendo superada apenas pelos números de óbitos decorrentes de doenças cardiovasculares e do câncer.

Impossível dissociar violência e suas consequências das ações de políticas públicas de saúde, com milhares de vítimas nos serviços de urgência e emergência – 1.107 unidades de pronto atendimento (UPAs) e 453 prontos-socorros – distribuídos pelos estados.

Para se ter uma ideia, esses serviços acolheram, entre 2006 e 2015, um total de 379.915 vítimas de disparos de arma de fogo, que representam 71% de todos os casos de agressão registrados pelo Ministério da Saúde no período. Cada um desses casos exige cuidados de maior ou menor complexidade, o que tem contribuído para onerar ainda mais a conta da saúde.

Para enfrentar esse problema, cabe às três esferas de gestão articular suas ações. A criação do Ministério da Justiça e Segurança Pública representa um importante esforço, pela sua proposta de alinhar o trabalho das polícias. Contudo, como os resultados serão colhidos em médio e longo prazos, é preciso, nesse interregno, de um zelo especial pela saúde pública.

Trata-se da exigência de maiores investimentos na qualificação de serviços, dotando-os de leitos, equipamentos e insumos, bem como de médicos e outros profissionais da saúde qualificados e em número suficiente à demanda, que aumenta a cada dia.

Também é preciso ajustar a atuação das centrais de regulação, para que o socorro prestado garanta a vida e o bem-estar das vítimas da violência, sem prejudicar o atendimento de outros pacientes que também procuram as urgências e as emergências.

As autoridades devem buscar inspiração nas estatísticas e nas recomendações de profissionais que atuam diretamente no front, como os médicos, para definir os rumos a serem tomados. Somente assim será possível reduzir o tamanho dessa tragédia social e humanitária, que indica o quanto o Brasil ainda está distante do caminho do desenvolvimento justo e igualitário.

 

* É presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Palavra do Presidente publicada na edição nº 276 do jornal Medicina. Acesse aqui a edição.

* Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60.
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