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Carlos Vital Tavares Corrêa Lima

 

No Brasil, a análise das políticas públicas de saneamento mostra que mais de 100 milhões de brasileiros não contam com coleta ou tratamento de esgoto. Os números oficiais divulgados mais recentemente apontam que apenas 50,3% da população tem acesso a esse tipo de serviço e que metade utiliza medidas alternativas (nem sempre eficientes) para lidar com dejetos, o que inclui desde a construção de uma fossa até o despejo direto em rios e córregos.

Esses dados são provenientes de estudo apresentado pelo Instituto Trata Brasil, que organizou um ranking desses serviços a partir de informações oficiais. No momento em que o País combate a febre amarela, é peremptório falar de saneamento, pois as informações do próprio Governo confirmam a falta de ações permanentes para correção desse grande problema nacional, com graves consequências para a saúde, sobretudo daqueles com menor renda ou poder aquisitivo.

Desde a sanção da Lei do Saneamento Básico (nº 11.445), em 2007, o índice de cobertura nesta área aumentou 8,3 pontos percentuais em nível nacional, o que corresponde a menos de um ponto percentual por ano. O avanço pode ser considerado ainda muito pequeno, pois não foi suficiente para contribuir de modo efetivo com a diminuição da desigualdade social ou com soluções para os problemas mais comuns e decorrentes da ausência desse tipo de serviço.

É inegável a importância do saneamento básico para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Sua presença contribui para a melhoria dos indicadores epidemiológicos e ajuda na redução do número de casos de doenças infectocontagiosas. Levantamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mostra que 65% das internações de crianças menores de 10 anos são causadas por doenças decorrentes da fragilidade ou da inexistência de redes de esgoto e água tratada.

A ausência desses serviços compromete ainda o desempenho escolar, com expectativa sombria sobre o futuro, sem melhores ofertas de emprego, trabalho e renda. No estudo do Instituto Trata Brasil ficou evidente que o rendimento médio dos que habitam em locais desprovidos de saneamento básico é em média 18% inferior em comparação com o dos moradores de áreas atendidas pela coleta de dejetos.

Afinal, a falta de saneamento é uma porta aberta para o aumento da incidência de doenças como diarreia, leptospirose ou dengue, conforme têm atestado a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

O estudo do Instituto aponta também os 10 municípios do País com melhores e com piores desempenhos na oferta do acesso à agua e ao esgoto. Ao se verificar o perfil epidemiológico dessas localidades, percebe-se, por exemplo, que, no período de 2007 a 2015, os que apresentam performance mais negativa registraram 92.338 internações por diarreia contra 22.746 internações nas que têm destaque positivo.

Nos municípios que enfrentam maior precariedade, a taxa de internação média por diarreia foi de 190 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. No extremo positivo, esse índice foi de 68,9. O mesmo comportamento se observa na avaliação dos dados epidemiológicos da dengue.

Entre 2007 e 2015, nos 10 municípios de pior desempenho, houve 145.690 pessoas com diagnóstico de dengue, ou seja, três vezes mais do que naqueles com melhor posição nesse ranking (42.977 casos). Situação semelhante ocorre no que se refere ao total de internações (19.102 contra 4.728) e de óbitos por complicações geradas por conta dessa doença (149 contra 33 casos).

Lamentável conviver com a realidade expressa por esses números após uma década da entrada em vigor da Lei do Saneamento Básico, que prevê a universalização dos serviços de abastecimento de água e de tratamento da rede de esgoto no País.

Trata-se de uma meta nobre e imperativa para diminuição das desigualdades sociais e para estímulo ao desenvolvimento sustentável, o que exige medidas competentes das três esferas de gestão. A norma definiu, inclusive, as competências do Governo Federal, dos estados e dos municípios neste quesito.

Contudo, a distância entre o ideal e o real é enorme, o que exige um esforço coletivo para superá-la.

Assim, a falta da promoção de mudanças radicais nos investimentos em obras de saneamento por parte dos gestores implica em riscos e perigos para os brasileiros, como o Aedes aegypti, responsável pela transmissão da dengue, zika e chikungunya, que continuam presentes no cotidiano da sociedade brasileira, especialmente no meio em que vive a imensa e maior parte do nosso povo carente e totalmente dependente das responsabilidades governamentais.

 

 

Palavra do Presidente publicada na edição nº 275 do jornal Medicina. Acesse aqui a publicação.

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