Lúcio Flávio Gonzaga*
Ensino a distância (EaD), segundo o conceito de Moore e Kearsley, é um processo de aprendizado planejado que normalmente ocorre em um lugar diferente do ensino e, como consequência, requer técnicas especiais em diferentes campos, desde o planejamento do curso propriamente dito, passando pelo preparo dos instrutores até a adoção de métodos eletrônicos de comunicação.
A primeira notícia registrada no mundo sobre EaD foi o anúncio da Gazeta de Boston sobre aulas por correspondência ministradas por um senhor chamado Caleb Phillips, publicado em 20 de março de 1728. Ele enviava suas lições todas as semanas para os alunos inscritos. Desde então, essa modalidade difundiu-se gradativamente em vários países.
No Brasil, o ensino a distância surge em 1904, no Rio de Janeiro, com os anúncios jornalísticos sobre cursos profissionalizantes feitos por correspondência (datilografia) para emprego no comércio. No entanto, o marco legal da educação a distância em nosso País é o Decreto nº 5.622/05, posteriormente substituído pelo de nº 9.057/17.
O papel da EaD na formação de saúde, com vistas à democratização das oportunidades no contexto das estratégias que consolidam o Sistema Único de Saúde (SUS), foi discutido no trabalho da professora Milta Neide Barron Torrez, “Distance education and training in the area of health: not so much, not so little”. Afirma a autora que as questões relacionadas com o EaD no setor saúde têm que ser alvo de intensos debates, estudos e produções.
De acordo com a autora, no EaD, como no ensino presencial, encontra-se em crescimento um lucrativo mercado em que a informação predomina sobre a formação. A mercantilização encontra no EaD condições de expansão muito favoráveis em função da velocidade proporcionada pelas novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC).
No entanto, não é obrigatório cair no canto das sereias do EaD. Não se pode ser indiferente às suas potencialidades e riscos nos campos de ensino e aprendizagem. Em reunião dos Conselhos Federais de Profissões Regulamentadas, vislumbrou-se os números desse segmento, com grande número de vagas/ano EAD para as graduações em Serviço Social (150 mil), Educação Física (123 mil), Enfermagem (75 mil) e Farmácia (36 mil).
Assim, é urgente um amplo debate sobre o papel da mediatização técnica (multimídia na relação pedagógica) sem se desvincular das questões relacionadas às especificidades das profissões da saúde e de suas competências com impacto nos cuidados oferecidos aos pacientes e às comunidades.
Nesse sentido, a escolha tecnológica deve subordinar-se à escolha pedagógica, com foco na autoaprendizagem e não na ostentação pedagógica ou na motivação mercantil, ou de qualquer natureza. Por isso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) é contra o uso de EaD na etapa da graduação, embora reconheça sua importância para a sedimentação e a verticalização dos conhecimentos teóricos específicos dos diversos conteúdos pedagógicos, bem como para qualificação da docência.
Assim, a exemplo da medicina, que tem em seu esteio o aprendizado milenar na beira no leito, ao lado do paciente, as profissões da saúde não devem adotar o EaD exclusivo para a graduação, pois todas são profissões que têm como essencial o treinamento prático com pacientes como forma de substanciar a formação daqueles cujo alvo primeiro é o cuidado com a pessoa humana.
*É conselheiro federal, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM.
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