Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
As questões do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos legítimos interesses dos médicos estão coligadas aos parâmetros políticos, socioeconômicos e administrativos do Brasil, e devem ser discutidas com ampla compreensão dos atuais desafios postos à sociedade brasileira.
O equilíbrio das contas públicas, com previsão de déficit de até R$ 194 bilhões em 2017, é apriorístico objetivo do Governo Michel Temer. Trata-se do período de maior recessão econômica na história da Nação, atingindo, em 2016, seu terceiro ciclo anual.
Com grande abalo na saúde financeira das empresas, em circunstâncias de inadimplência, pouco crédito e altos juros, multiplicam-se os pedidos de recuperação judicial e falências.
As devidas correções desses rumos não estão no contexto de um antigo binômio, de caráter emergencial e conhecido do nosso povo: cortes de investimentos e aumentos de impostos. Os contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, estão literalmente exauridos, não suportam mais cargas tributárias!
As medidas necessárias ao controle das contas públicas e ao crescimento econômico, com desenvolvimento sustentável, não são exequíveis em curto prazo. São reformas estruturantes com efeitos no longo prazo, a serem implementadas sem mais penalizações à já sofrida base da pirâmide social, ou seja, aos mais pobres e vulneráveis a uma elevada inflação.
Consiste nisso a premente, árdua e mais nobre tarefa dos Poderes Executivo e Legislativo, em reverência aos preceitos fundamentais da Carta Magna.
Sem espaço para incrementos de impostos, há de se ter a clarividência ou o bom senso: de uma reforma administrativa, que venha ao encontro da competência; de uma reforma eleitoral-político-partidária, que evite a perpetuação ou a renovação dos corruptos; de uma reforma da previdência social, com respeito aos direitos adquiridos; e de uma reforma tributária, coerente com o pacto federativo e que aumente a arrecadação do Erário como consequência dos estímulos fiscais à produtividade.
Nesse âmbito de ações saneadoras, urge a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no 241, em pauta de análise legislativa, que define o teto para o gasto público nos próximos dez anos, desde que sejam incluídos os estados e o Distrito Federal e determinada a manutenção dos atuais orçamentos da saúde, da educação e da segurança, com a garantia de suas correções inflacionárias.
A ignorância, a doença e a morte evitável, além de lamentável realidade, não são alicerces do equilíbrio ou controle dos gastos públicos e criam obstáculos universais ao desenvolvimento sustentável, posto que são intoleráveis retrações ou subtrações nos orçamentos da saúde, da educação e da segurança. Por conseguinte, não é tolerável o aumento da carga tributária, ou seja, mais tributos sob a pseudoforma de planos de saúde cognominados de acessíveis ou populares, ainda que com a intenção de menor impacto financeiro ao SUS.
Os serviços suplementares de atenção à saúde prosperaram com incentivos fiscais que reduziram o volume dos cofres públicos e atingiram proporções bilionárias. Segundo relatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de janeiro de 2006 a junho de 2016, movimentaram receita de mais de R$ 870 bilhões. Não obstante, nos últimos 12 meses, 102 mil reclamações de clientes desses planos foram levadas à ANS; entre outros motivos, dificuldades nas autorizações de procedimentos (32,6 mil), em atendimentos (10,9 mil) e suspensões ou rescisões contratuais (10,2 mil).
Os milhares de reclamantes – aos quais se agregam, em maior número, os prejudicados que não protestam –, quando mais precisam, são frustrados em suas esperanças de cuidados à saúde, por burlas ou falta de cobertura contratual.
Por não terem leitos disponíveis, as gestantes, que deveriam ser atendidas pelas operadoras de planos, recorrem ao sistema público, o que provocou, no interregno de três anos (de 2010 a 2013), o maior ressarcimento desses agentes mercantis ao SUS, em face da realização na rede pública de 183.535 partos que deveriam ter ocorrido na área da saúde suplementar.
Torna-se evidente que os planos nominados de acessíveis ou populares, com imensas exclusões contratuais, não terão impacto positivo no financiamento do SUS; apenas servirão ao gáudio empresarial, em detrimento das pessoas com baixa renda, que serão oneradas com mais despesas em contrapartida de uma atenção a valores absolutos pela qual já são tributadas.
A venda desses planos ineficazes, estimulada pelo desejo, comum a ricos e pobres, de preservar a saúde e a vida, dependerá, provavelmente, de propaganda enganosa que retire das pessoas o poder de discernimento dos estreitos limites estabelecidos em cláusulas contratuais, induzindo-as à expectativa de adimplemento contratual que não será concretizado.
Portanto, configura-se como proposta temerária, por seu potencial de incentivo ao crime de propaganda enganosa, tipificado, via transversa ao Código Penal, no artigo 37 da Lei no 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A dignidade humana é direito jusnatural, ou seja, inerente ao homem pelo simples fato de sua existência, e não pode ser retirada ou tolhida na defesa dos gastos públicos ou do SUS. Assim, por ordem ética, moral e jurídica, em época de prosperidade ou recessão econômica, o futuro deve ser planejado e construído para ser justo!
* É presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Palavra do Presidente publicada na edição nº 258 do Jornal Medicina (acesse aqui a publicação).