João Hélio Rocha*
No final da década de 1960, precisamente de 14 de dezembro de 1968 a 9 de janeiro de 1971, o governo implantou o Plano Nacional de Saúde (PNS) em nove municípios da microrregião de Nova Friburgo (Nova Friburgo, Bom Jardim, Cordeiro, Cantagalo, Duas Barras, Sumidouro, Carmo, São Sebastião do Alto e Trajano de Moraes), visando dar sustentação a um planejamento definitivo para a transferência das ações de saúde do INPS para o Ministério da Saúde, o que só veio ocorrer em 1988, quando o SUS foi criado. Embora comprovadamente inviável do ponto de vista econômico, o governo simplesmente suprimiu o PNS após uma análise muito superficial dos novos procedimentos operacionais, que ficaram esquecidos. Alguns subsídios são de grande valor. Sou a única pessoa que estudou sua tratativa profundamente, durante 46 anos. Resguardei seu know how, exposto em nove livros e em diversos artigos na imprensa médica. Analisemos três dos principais subsídios que poderão ser incorporados ao SUS e, assim, transformá-lo num sistema de saúde de boa qualidade, como toda a população sempre desejou que fosse.
Cartão de acesso. Todo usuário tinha um cartão de acesso no qual estava anotado seu grupo de renda (do Grupo 1, de menor renda, ao Grupo 7, o de maior poder aquisitivo). Com o cartão, a pessoa procurava o médico que quisesse e pagava, em dinheiro vivo, um percentual do preço tabelado de qualquer serviço, fosse uma consulta médica, uma internação hospitalar, um exame de sangue ou qualquer outro de acordo com seu nível de rendimento. Uma usuária do menor grupo pagaria, convertidos na moeda atual, cerca de R$ 10 reais por uma cesariana; já uma usuária de renda máxima, de 20 ou mais salários mínimos, pagaria 60% da tabela do INPS quando internada em enfermaria. Não houve nenhuma reclamação de vulto porque quase todos estavam satisfeitos com o sistema que praticamente eliminou as filas. Racionalizou a demanda: bastava apresentar o cartão em qualquer unidade de saúde ou consultório e marcar o atendimento. Todos os planos de saúde privados têm um cartão de acesso que lhes permite monitorar os gastos individualizados de seus associados e regular seus custos. Já o SUS tem um cartão que não se presta a essas funções, e o empirismo de controle de custos ainda é dominante.
Participação financeira do usuário (PFU). A PFU atuou como fator de moderação de demanda, redução do custo geral da assistência médica, catalisação da melhor qualidade do ato profissional e indução de melhor relacionamento entre usuários e médicos. Está na Constituição que a saúde é um direito de todos, mas não está escrito que é gratuita. A única gratuidade assistencial não se refere à assistência médica, e sim a creches e pré-escola até 5 anos de idade, conforme dita o artigo 6º, inciso XXV, do Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, da Carta Magna.
Distrito Microrregional de Saúde. O PNS funcionava como uma comunidade microrregional de saúde gerida a partir de um município-polo. A verba era calculada conforme a população dos nove municípios. A remuneração dos atos médicos era igual em qualquer município. Isso levou à migração espontânea de médicos para as pequenas cidades. A municipalização da saúde foi a solução lógica quando o SUS foi criado, há 27 anos. Com o passar do tempo, mostrou-se deficiente e vulnerável a manipulação política e eleitoral. A saúde, área de grande complexidade, foi colocada nas mãos de prefeitos, que não são obrigados a entender de assistência médica, e isso tumultua a administração municipal. A formação gradativa de Distritos Microrregionais de Saúde, interagindo entre si, e a parceria com os planos de saúde privados, que fornecem assistência médica a 50 milhões de brasileiros, são soluções que se impõem.
Se aceitas as sugestões, o SUS poderá ser outro, muito melhor. A concretização das transformações sugeridas depende essencialmente de vontade e decisão políticas e da conscientização da classe médica sobre o momento presente e seu futuro.
*João Hélio Rocha, 81, é médico em Nova Friburgo (RJ).
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