Escrito por Jorge Luiz Baldasso
A mãe da jovem grávida protestava na frente da ambulância: “minha filha está com dor, esta é a quarta maternidade que viemos e nenhuma tem vaga”. Em outro hospital, o filho buscava desesperado uma vaga de UTI para o pai, com câncer, que aguardava havia semanas numa maca no corredor: “isso é um descaso, uma falta de respeito” desabafou. O diretor de um dos hospitais explicou: “essa situação não é recente; há anos vimos lidando com a questão da superlotação e da falta de vagas… estamos aguardando há muito tempo um repasse de quinze milhões do governo, mas o dinheiro nunca vem”.
Estes episódios, ocorridos em Fortaleza e exibidos na semana passada na televisão, e que retratam a precariedade, a falta de recursos e o abandono por que passa a saúde pública no país, não representam nenhuma novidade para qualquer cidadão minimamente informado. A novidade é o “corredômetro”, uma invenção dos médicos cearenses para medir a quantidade de pacientes que ficam internados em macas nos corredores dos hospitais enquanto aguardam um exame especializado, uma cirurgia, uma vaga na UTI… Incontáveis foram as situações em que crianças nasceram sobre estas macas; sobre elas também foram feitos inúmeros outros procedimentos, e até cirurgias. Faltam, é claro, condições mínimas de conforto, higiene e privacidade. Nem todas têm lençóis, travesseiros ou fronhas. Quando o paciente não pode se deslocar até o banheiro coletivo, as necessidades fisiológicas são feitas lá mesmo, num recipiente, a vista de todo mundo e, mais grave, pacientes com suspeita de doenças infecciosas se misturam aos demais doentes e acompanhantes, aumentando o risco de contaminação.
Quanto custa um hospital? Segundo especialistas no assunto, com 30 milhões de reais seria possível construir um, novinho, com 160 leitos, sendo 12 de UTI, totalmente equipado com aquilo que existe de mais moderno em aparelhos, materiais e mobiliário – sem superfaturamento, é claro – para assistir uma população de 40 mil habitantes. Sem filas intermináveis para cirurgias nem internações no corredor. Com um pouco mais seria possível também contratar mais profissionais de saúde, melhorar a rede básica e as ações de saúde preventiva. Mas isso não parece estar na agenda dos governantes, que se justificam alegando a tão surrada desculpa da “falta de recursos”. Isso no momento em que é divulgado o último balanço da Petrobras, empresa de capital público, onde – agora sabemos – nada menos que 6,2 bilhões foram para o ralo da corrupção. Só com isso dava para construir mais de 200 hospitais iguais àquele mencionado acima. E a conta do desastre continua: mais 22 bilhões foram perdidos em erros de gestão envolvendo refinarias e polos petroquímicos (nossa presidenta de República era presidenta do conselho de administração da empresa na época – e ela não sabia de nada). Se este é o padrão de administração de nossos governantes, dá pra imaginar a lambança que estaria acontecendo nas demais empresas públicas, autarquias, bancos estatais, ministérios, governos estaduais, prefeituras, etc, etc…
O corredômetro, na semana passada, anunciava 363 pacientes internados nos corredores dos hospitais em Fortaleza, o que sinaliza que cenas como a daquela gestante em trabalho de parto peregrinando em busca de um leito e do ancião aguardando numa maca para ser tratado de câncer vão continuar se repetindo pelos hospitais do país por muito tempo. Nenhuma surpresa se considerarmos que foram fechados mais de 250 hospitais e 42 mil leitos hospitalares nestes últimos 12 anos, obra deste governo, o grande arauto das causas sociais.
É o preço que pagamos pelas más escolhas que fazemos quando elegemos nossos governantes e representantes no parlamento. Nossa leniência com o que é errado, a facilidade como somos iludidos, a preguiça de pensar, nos torna tão culpados quanto aqueles algozes da moralidade pública. Hoje, um promotor de Justiça e Cidadania, após comentar a indignação dos pais de uma criança que não conseguiam internação para uma simples cirurgia de hérnia – e talvez desalentado com tantas dificuldades na saúde pública – aconselhou: “rezem”.
Se um promotor diz isso, então que Deus nos ajude!
* É médico em Dourados (MS)
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