Escrito por Alfredo Guarischi *
A responsabilidade sobre a saúde de 200 milhões de brasileiros não é tarefa simples. Nossas taxas de mortalidade infantil, longevidade, equidade no atendimento e acessibilidade ao sistema são muito diferentes das encontradas na Suécia, Noruega e Inglaterra, que gastam em saúde 9,5 % do PIB. Esquisito, o Brasil gasta 9%. Gastamos errado, tanto no sistema público como no privado.
Dengue, chikungunya, máfia das próteses, atropelados, infarto, câncer, doenças crônicas. Tudo junto, misturado e desorganizado, com fantásticos oásis nesse deserto brasileiro.
As fraudes continuam, há décadas. Equipamentos encaixotados, licitações questionadas, falta de pessoal. Desafio quem aponte um mês no qual algum “malfeito” não tenha sido noticiado.
Há também algo esquisito na importação de médicos: o sucateamento dos hospitais universitários. Temos mais faculdades de medicina que a China e os EUA. Abrir novas, a maioria privadas, não é a solução.
Faltam médicos onde também faltam enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas etc. e um sistema organizado e regionalizado. Por que não estimular consórcios entre prefeituras? Gastaríamos menos, atenderíamos mais pacientes e teríamos onde, como e para quem encaminhá-los. Será que essa desonerante sugestão atrapalharia a vida de alguns prefeitos?
O Sisreg, sistema eletrônico de regulação e agendamento do SUS, criado para agilizar as demandas por consultas e cirurgias, é um imbróglio. Sumiram as enormes filas das portas dos grandes hospitais, transferidas para os computadores – pergunte a quem trabalha nos institutos e nos hospitais federais. Falta gerência dessa boa ideia.
O sonhado SUS, criado em 1988, deu lugar a uma terceirização imoral. A cada contrato vencido, troca-se toda a equipe. Jamais venceremos o desafio do longo prazo com equipes de curto prazo. O quadro técnico, contaminado pelo viés político, criou problemas crescentes. O casuísmo ideológico passageiro é mutante, pois o ideal para um grupo majoritário não é obrigatoriamente o justo para o todo. Quando a política e a ciência se misturam, o sistema trava. Morre a ciência.
A missão de ministro da saúde implica abrir mão de outras oportunidades profissionais. É muito trabalho e cobranças – é ser patriota. Para esse cargo, não há concurso ou prova de título; a indicação é política, porém o cargo é técnico, exige total compromisso com o Estado e não só com um governo. É sua responsabilidade nomear as caixas – cargos – dispostas em complexos organogramas. O critério técnico é a melhor vacina para prevenir que essas caixas se transformem em “caixinhas”.
As audiências com o ministro não deveriam ser sigilosas; afinal, uma conversa sobre saúde pública que não pode ser gravada também não deve ocorrer.
Fica sempre a esperança de que o ministro da saúde dê orgulho aos brasileiros. Orgulho dado pelo Dr. Adib Jatene, que, tendo trabalhado com Maluf e Collor, e com FHC, serviu somente ao País.
* É médico, membro das Câmaras Técnicas de Oncologia do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) e da Segurança do Paciente do CFM.
Artigo publicado em 18/03/2015 no Blog do Noblat – G1 – O Globo.
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