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Escrito por Giovanna Trad*
 
 

A judicialização da medicina é uma constante irrefragável no país em que vivemos. A inoperância do estado na concretização de um SUS universal e integral coloca o magistrado em um papel que não é originariamente seu. Na saúde suplementar, a realidade é a mesma. As ordens judiciais substituem uma obrigação do gestor público ou privado: concessão de medicamentos, internações, cirurgias, órteses e próteses, ressarcimento de danos oriundos de má prática médica, dentre outros.

Abro um parêntese para dizer que o direito do usuário é usualmente amparado por um laudo produzido pelo médico que o assiste. Isso implica afirmar que perante a autoridade judicial, a prescrição do médico – pela expertise e conhecedor das idiossincrasias de seus pacientes- possui valor probatório incontestável.  

Em algumas circunstâncias, o estado-juiz tem contrariado o postulado que apregoa a liberdade do médico no exercício de sua atividade, proferindo decisões diametralmente opostas às convicções, diagnósticos e prognósticos lavrados pelo profissional.

Há algumas semanas, um caso deste tipo veio à tona. A paciente desejava se submeter à cirurgia ortopédica mesmo após ter sido informada pela equipe médica especializada sobre a desnecessidade do procedimento invasivo. Após isso, o diretor técnico foi surpreendido com uma intimação judicial que o obrigava a determinar que os profissionais executassem a cirurgia.  

A despeito disso, e firme nas suas convicções, «desobedeceu» o mandamento judicial. O impasse foi levado ao CREMESP (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), cuja entidade defendeu a decisão do facultativo, respaldada na premissa de que «nenhuma autoridade pode obrigar o médico a realizar qualquer procedimento, mesmo porque, cabe a ele assumir todas as responsabilidades pelo que realizar ou deixar de realizar, respondendo aos conselhos de medicina por seus atos».

Antes de qualquer análise, devo advertir que o paciente goza sim de autonomia para escolher a opção terapêutica que melhor subsidie suas conveniências. Mas o direito de escolha deve passar, necessariamente, por critérios que o legitime. O médico não é obrigado a compactuar- e nem pode- com uma alternativa não referendada pela ciência, ou que não seja adequada às especificidades da moléstia.   

Na hipótese travada, a cirurgia invasiva foi decretada pelos médicos como desnecessária e fútil, pois entenderam que o tratamento clínico, além de menos arriscado, traria os benefícios almejados.

De tal arte, o facultativo não pode ser compelido a empreender ato que contrarie seu convencimento e segurança.  Evidentemente que a cirurgia ortopédica era uma opção, mas na firme crença do grupo médico, não se mostrava pertinente à hipótese. Então, forçá-lo a executar procedimento que desrespeite à sua razão equivale a violar um sistema constitucional que prima pela liberdade, autonomia e dignidade profissionais. Mais que isso: É admitir um nítido atentado contra a vida.

Não há fronteiras quanto à judicialização da saúde quando o direito da pessoa humana está escorado em premissas constitucionais. Contudo, este limite se exaure quando a decisão do estado-juiz se sobrepõe à autonomia profissional do médico, em total ofensa ao estado de direito.

 
 
*Giovanna Trad, é advogada e membro da comissão de Direito Médico e da Saúde do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. email: tradadvsaude@gmail.com
 

 
    

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