Escrito por Giovanni Guido Cerri *
JR, 32 anos, médico nascido em Pernambuco, veio fazer residência médica em São Paulo e aqui se radicou, trabalhando em dois hospitais da periferia da região metropolitana. Atende, em média, a 60 pacientes por dia do SUS (Sistema Único de Saúde), nos dois empregos que tem e no plantão noturno semanal. Trabalha 12 horas por dia, muitas vezes mais, raríssimas vezes menos.
Como a maioria dos médicos, JR estudou por 21 anos para entrar no mercado de trabalho, incluindo os seis anos de curso de medicina e três de residência médica.
Foram mais de 8.400 horas que JR passou apenas nas salas de aula da faculdade e em seus laboratórios e outras horas incontáveis em casa estudando. Tudo para se formar um bom médico, o melhor que pudesse ser, e reunir as melhores condições para ajudar os pacientes. A dedicação de JR é a regra entre os médicos brasileiros.
Com origem em diferentes classes sociais, os jovens que entram no mercado de trabalho possuem em comum o esforço necessário para chegar à faculdade. Depois disso, precisarão superar outro desafio: o sempre disputado concurso para a residência médica. E deverão continuar estudando pelo resto da vida.
A saúde está diante de uma grave crise, provocada pela falta de financiamento adequado, pelo excesso de trabalho, pela judicialização excessiva, pelas dificuldades que enfrentam as instituições filantrópicas. E, com todas as dificuldades, há a necessidade de atender à justa demanda da população por saúde de qualidade.
O Brasil chegou a ser o sexto maior PIB no ranking internacional em 2012, mas ocupa a constrangedora 72ª posição, segundo a Organização Mundial da Saúde, de gasto per capita em saúde. Argentina, Uruguai e Chile se saem melhor. Cuba gasta mais do que o dobro em despesa pública por habitante. A falta de recursos é o nosso grande problema: países desenvolvidos chegam a gastar 20 vezes mais por habitante do que o Brasil.
E a pergunta que fica, em meio às recentes polêmicas, é: a culpa por esse quadro é de JR? É o médico brasileiro o responsável pela falência do sistema de saúde?
É claro que, como em outras profissões, existem exceções à regra. Profissionais que não têm uma conduta ética adequada ou não são cumpridores de suas responsabilidades. Hoje, em razão da pressão emocional, responsabilidades e excesso de trabalho, mais de 50% dos médicos se queixam da qualidade de vida e apresentam sinais de estresse, depressão e fadiga.
Sou favorável à vinda de médicos estrangeiros, desde que adequadamente formados, para ajudar a atender a nossa população. Aliás, essa sempre foi característica de nosso país: acolher com generosidade os imigrantes que ajudaram a construir o Brasil.
Os médicos que se formam no exterior necessitam, para ter sua formação avaliada e para proteger a população que será por eles atendida, passar por um exame criado pelo governo federal chamado Revalida, essencial para o registro definitivo do diploma. É fundamental que a autorização, concedida recentemente para médicos estrangeiros exercerem medicina sem esse exame, seja uma medida transitória e emergencial.
Não é aceitável ignorar ou menosprezar a maioria dos médicos brasileiros, que atende seus pacientes com empenho, em milhares de cidades, sem muitas vezes contar com a estrutura adequada.
Não são as categorias de profissionais as grandes responsáveis pelos problemas de saúde, transporte, educação e infraestrutura do Brasil. Os nossos problemas crônicos, reflexo de um país com renda per capita e IDH ainda baixos, têm que ser combatidos com muito trabalho, dedicação e gestão.
O país precisa de investimentos e de programas de longo prazo, voltados à educação e à qualificação profissional. Sem desculpas.
* É diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e presidente do conselho deliberativo do Hospital das Clínicas da mesma faculdade. Foi secretário de Estado da Saúde de São Paulo (2011 a 2013).
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