* escrito por Desiré Carlos Callegari
É extremamente apropriado o tom duro adotado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) ao contrapor a proposta irresponsável do Governo de promover a “importação” de médicos estrangeiros e de brasileiros formados em escolas de outros países sem a devida revalidação de seus títulos.
A solidez dos argumentos apresentados torna a entidade a principal opositora de uma ação que carece de consistência e pode ser classificada como um golpe contra a qualidade da assistência e a garantia de segurança da saúde de todos os brasileiros, especialmente os mais carentes, que mais dependem dos serviços oferecidos pela rede pública.
Ao defender esta tese – a necessidade de “importar” médicos a qualquer custo -, o Governo fere a legislação e abandona seus compromissos constitucionais, oferecendo ao cidadão acesso a uma pseudoassistência. Ora, porque não investir em projetos de longo prazo em lugar de defender soluções temerárias e temporárias?
A resposta pode estar na preocupação com o desempenho dos candidatos da base aliada nas eleições de 2014. Os marqueteiros de plantão devem raciocinar que ganhos com votos serão maiores se forem anunciadas decisões midiáticas e de curto prazo ao invés de cumprir a cartilha do planejamento. Pena que interesses menores, de cunho político-eleitoreiro, estejam sendo colocados acima do que realmente merece atenção.
No entanto, a repercussão positiva a favor do posicionamento adotado pelo CFM e pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) – dentre os quais o Cremesp – mostra que setores importantes da sociedade perceberam a ardilosa manobra arquitetada a partir da Esplanada dos Ministérios.
Alguns dos principais veículos de comunicação – Veja, Isto É, TV Globo, Correio Braziliense, Folha de São Paulo, entre outros – demonstraram sua concordância com o CFM em reportagens e editoriais. Fica evidente que se o Governo quiser prosseguir com seu projeto terá que enfrentar a resistência dos defensores da boa prática médica e da qualidade no atendimento. Mas o apoio não vem apenas da imprensa.
Coincidentemente, o próprio Judiciário reforçou o ponto de vista dos conselhos de medicina na mesma semana em que veio a tona a proposta do Governo. Uma sentença do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – ao julgar recurso impetrado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – defende a manutenção e a rigidez dos critérios para a revalidação de diplomas estrangeiros de medicina.
A decisão foi tomada pela unanimidade dos ministros da 1ª Seção do STJ, que conferiram às instituições de ensino o direito de aplicar provas para avaliar os conhecimentos do interessado antes de analisar a documentação e conceder o aval indispensável para o médico formado no exterior. Essa sentença repercute, inclusive, sobre os demais processos que tramitam no Judiciário brasileiro sobre o mesmo assunto.
Todos estes elementos dão força à solução do CFM para dificuldade de acesso à assistência nas áreas de difícil provimento. O Brasil precisa de médicos bem formados, bem preparados, bem avaliados e com estímulo para o trabalho. Portanto, a criação de uma carreira de Estado para o médico do Sistema Único de Saúde (SUS) – com ênfase na atenção primária (incluindo previsão de infraestrutura e de condições de trabalho adequadas) – é a única forma de assegurar a presença de profissionais nas áreas distantes e nas periferias dos grandes centros.
Em síntese, cabe ao Governo assumir sua responsabilidade de dotar o Estado de medidas estruturantes, sem apelar para o caminho do imediatismo midiático, improvisado e oportunista. Tratar a população de maneira desigual é sinal de desconsideração e de desrespeito para com a cidadania.
* 1º secretário do Conselho Federal de Medicina (CFM)
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